Crônica da semana/ CADEIRA DE ENGRAXATE
Wagner Fontenelle Pessôa
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Existe uma ética, no exercício do
jornalismo, que certa parcela dos jornalistas está longe de exercitar. E,
diversamente do que imaginam alguns, nem só a imprensa nanica, sensacionalista
e marrom recorre a meios pouco éticos, quando busca atrair o público e
favorecer ou prejudicar pessoas e instituições com aquilo que publica. Porque a
chamada "grande imprensa" também perde a linha, sempre que lhe
convém.
Às
vezes, no entanto, a questão não se instala no campo da ética propriamente
dita, mas no da elegância profissional. Ou da deselegância "do
profissional", quando escreve a matéria, comenta um assunto ou entrevista
alguém.
A
elegância, neste caso, consiste em não utilizar uma linguagem chula, ao se
analisar uma questão, falando ou escrevendo. Consiste, também, em não escarafunchar
a vida íntima e privada das pessoas, exceto quando o próprio focalizado ou
entrevistado
envolveu o seu círculo familiar e pessoal com práticas pouco
ortodoxas, que atingem o interesse público ou da sociedade, como um todo.
Porque, aí, não merece e nem tem o direito de ser preservado.
Apesar
disso, há situações em que deve um profissional da mídia precaver-se de
apedrejar o seu entrevistado, mesmo que este mereça ser exposto publicamente.
Se não for apenas pela elegância, que seja porque o próprio entrevistador pode
ter, também, um telhado de vidro e acabar levando uma pedrada de volta.
Nos
anos de 1970 houve um programa na televisão carioca, produzido e apresentado
pelo Carlos Manga, que depois viria a tornar-se um prestigiado diretor de
novelas na Globo. Chamava-se "Quem tem medo da verdade?", no qual um
time de "julgadores do tipo carrasco" fazia, ao vivo, as indagações mais
constrangedoras sobre a vida pública e privada do convidado. Para, ao final,
julgá-lo culpado ou inocente. Do quê, ninguém sabia direito.
Havia
um "cachê" pela participação e, por isto, não faltava quem
participasse daquela inquisição embaraçosa. Deu-se que, numa ocasião, o "réu"
da vez foi o satírico Juca Chaves, que compareceu ao programa. Mas, com o seu
conhecido estilo, em lugar de ser esculachado, acabou foi esculachando o
apresentador, os jurados e o próprio programa, que pretendia ser tido como
sério. Por conta disso, não pagaram o pró-labore devido ao Juca e tudo acabou
desaguando num processo judicial.
Nesse
tempo, uma das juradas era a Cidinha Campos (hoje deputada estadual), então
casada com o autor de novelas Manoel Carlos. E que, ao contrário de agora, naquela
época, era uma gracinha de pequena. O fato é que, dos bastidores da emissora
para a cama de algum motel ou "matadouro" (como se diz) o Carlos
Manga conduziu a Cidinha, com a promessa de casamento futuro. Só que, degustado
o jantar e comida a sobremesa, a jovem jornalista largou o marido, mas o
escolado diretor não largou a mulher, já que também era casado. E o resultado
foi que a Cidinha, diante do escândalo e da decepção amorosa, tentou o
suicídio, que também não deu certo.
Foi
quando o Juca Chaves, ainda irritado com o calote que levara da produção do
programa, lançou uma música — "Take me back to Piauí" — na qual
incluiu uma estrofe cruel, que dizia assim: "Minha terra tem Chacrinha,
que é louco como ninguém/ Tem Juca, tem Teixeirinha, tem dona Hebe também/ Tem
maçã, laranja e figo... Banana, quem não comeu?/ Manga, não! Manga é um perigo!
Quem provou, quase morreu..." Foi uma ridicularia só e dá para imaginar o
mal estar que isso deve ter causado em ambos.
Antes
disso, porém, ainda nos primórdios da televisão em Pernambuco, lá pela década de
1960, um colunista social muito prestigiado em Recife, casado com uma loura,
dessas para 400 talheres, mas que, segundo diziam as más línguas, costumava
prestar "serviços de natureza eventual sem vínculo empregatício" a
alguns frequentadores da coluna assinada por seu marido, teve um programa
tirado a bacana, chamado "Cadeira de Engraxate", que buscava o mesmo
objetivo. O convidado se sentava numa cadeira cheia de rococó e forrada de
veludo, como se fosse engraxar o sapato. E o apresentador, sentando-se no
banquinho do engraxate, passava a entrevistá-lo.
E
sendo chegado ao péssimo costume de colocar os entrevistados numa "saia
justa", costumava, lá pelo meio da conversa, fazer indagações sobre temas
delicados na vida ou carreira dos que iam ao seu programa. Até que um dia,
recebendo para essa conversa semanal um político escolado — ex-prefeito de uma
cidade do interior do Estado e mais grosso que joelho de elefante — a certa
altura da entrevista mandou a tal pergunta constrangedora:
—
Prefeito, dizem que o senhor "roubou" muito durante o seu último
mandato. O que o senhor tem a dizer sobre isto?
O
velho fuzilou o colunista social com aquele olhar de cima para baixo e
respondeu, sem pestanejar:
—
Ô, Fernando (era esse o nome)... Dizem, dizem, mas ninguém prova nada! Do mesmo
jeito que também dizem que você é chifrudo como o diabo, mas acho que até hoje
ninguém provou!
Pois
foi assim que terminou a edição daquela noite e, logo em seguida, a emissora cancelou
o programa do colunista social pernambucano. Para não ter problemas com a
censura do regime militar, que, naquele tempo, funcionava a todo vapor.
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