Crônica da semana: UM VERDADEIRO ARTISTA!
Wagner Fontenelle Pessôa
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Nesse
mundo de completa insegurança, os delinquentes não estão respeitando mais nada
ou ninguém. Assaltam, sequestram, estupram e matam, de forma absolutamente indiscriminada:
sem distinção de classe social, faixa etária, etnia, opção sexual, credo
religioso, convicções políticas ou ideológicas.
Se o sujeito houver de perder a
carteira ou o celular e se a mulher houver de ficar sem a bolsa ou o cordão,
para o marginal não faz nenhuma diferença que a vítima seja negra, branca ou
asiática; hétero, homo ou bi; rica, pobre ou remediada; flamenguista, vascaína
ou fluminense; católica, evangélica ou espírita... Porque, quando agem, o seu
objetivo é o ganho, a vantagem ou o proveito. Precisamente por isto é que eles
também se atacam uns aos outros, dentro e fora das penitenciárias.
Tenho uma particular ojeriza pelos
bandidos que, além de praticarem o crime, seja qual crime for, também adicionam
ao delito aquele toque de violência, humilhando as vítimas ou maltratando as
pessoas. Mesmo quando estas já estão rendidas e não esboçam nenhuma reação,
pelo simples instinto da perversidade gratuita. E, nesse caso, sinto uma
especial repugnância por aqueles que cometem os chamados crimes contra a
dignidade sexual.
Esses crimes — como o estupro, o
atentado violento ao pudor, a violação sexual mediante fraude, o assédio sexual
e outros do mesmo grupo — são especialmente
hediondos, porque atentam contra a
liberdade sexual, que é um dos atributos mais estreitamente ligados ao sentimento
de pudor e ao senso de dignidade própria. Impor o sexo a alguém é, por isto
mesmo, uma das mais degradantes humilhações a que se pode submeter uma pessoa.
Feita esta ressalva, no entanto, não
consigo deixar de me lembrar daquela história — divertida, por tratar-se de mera
ficção — das freiras que foram encurraladas por dois tarados num beco, enquanto
faziam a entrega de uns deliciosos biscoitinhos amanteigados, preparados pelas
irmãs do convento onde viviam. E que tinham freguesia certa em algumas lojas da
cidade.
Toda a irmandade trabalhava no
fabrico da guloseima e, a cada dia, duas delas eram escaladas pela irmã
superiora para fazer a entrega aos compradores. Pois, desta feita, haviam sido mandadas
para a tarefa uma irmã mais madura e experiente e uma noviça, que nem fizera os
seus votos definitivos, pois ainda estava sendo preparada para as práticas da
vida monástica.
Na ida foi tudo bem. Carregando os
pacotinhos de biscoitos em duas sacolas, levadas por cada uma delas, fizeram o
percurso sem maiores complicações até chegarem ao seu destino, entregarem a
mercadoria e receberem o dinheiro. No retorno ao convento, porém, com o sol já
se pondo e as sombras da noite começando a cair sobre a cidade, ao passarem por
uma via mais deserta, foram assaltadas por dois bandidos, fortes e ainda jovens,
que arrastaram as religiosas para um beco.
Só que, vendo-se ali com as duas
mulheres envergando aquela roupa típica das religiosas, nasceu na cabeça dos
assaltantes uma ideia de jerico: nem quiseram saber do dinheiro e resolveram
que o seu ganho, no caso, seria de outra natureza. Imobilizaram a freira e a
noviça, da qual cada um deles se incumbiu, para fins impublicáveis. Contudo, a
reação que uma delas esboçou não foi a mesma que a outra teve: a mais velha parecia
menos desesperada com aquilo, suportando a situação até com um certo
estoicismo. A mais nova, no entanto, parecia muito mais amedrontada, lutando,
da forma como podia, contra aquele ataque que maculava sua honra e sua pureza.
Até que, percebendo ser impossível
livrar-se do tarado que ficara com ela, a noviça resolveu entregar o seu
sacrifício àquele, a quem pretendia dedicar o resto de seus dias. Olhando para
a irmã que, ao seu lado, passava por idêntica situação, disse no tom de uma
prece:
— Perdoai-os, Pai! Eles não sabem o
que fazem...
Diante do que a outra, mais velha e
mais experiente, fez um reparo:
— Só se for o seu, irmãzinha...
Porque o que está comigo, sabe tudo! É um verdadeiro artista!
Pelo visto, ainda tinha muito a
aprender sobre as coisas do mundo, aquela jovem noviça... Ora, se tinha!
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