Crônica da semana: O EXEMPLO MAIS ACABADO DE CIÚME
Wagner Fontenelle Pessôa
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O ciúme é um sentimento tipicamente
passional; isto é, movido pela paixão. Algo que está no próprio indivíduo e que
não nasce, necessariamente, de uma causa ou situação concreta. A pessoa ciumenta
costuma ser atormentada por essa angústia peculiar, antes e além de quaisquer
circunstâncias que possam justificar o seu sofrimento em relação a outra ou
outras pessoas.
Não
estou afirmando, por evidente, que o objeto dessa agonia chamada ciúme — marido
ou mulher, namorado ou namorada, companheiro ou companheira — jamais dê motivo
para que aconteçam aquelas reações, típicas dos ciumentos em estágio mais
agudo: brigas, choro, escândalos em público ou, nas hipóteses mais graves, até manifestações
de violência física, chamadas de "vias de fato". É claro que sim!
O
que pretendo dizer é que, nem sempre, essas reações são motivadas pelo que o
outro fez, está fazendo ou parece que irá fazer. Mas, tão somente, pelo doentio
sentimento de insegurança e posse, dos que costumam desgraçar a sua paz
interior por essa espécie de inferno pessoal, nascido de suas próprias
elucubrações emocionais.
Não
pretendo aventurar-me no acidentado terreno da Psicologia, visto que, pelos
meus poucos conhecimentos desta ciência, estaria correndo o risco de incorrer
em algum erro grave. Mas sei e digo, sem medo de errar, que o ciúme, além de
determinados limites pode ser considerado uma doença grave, difícil de tratar,
aliás. Porque a maioria das pessoas geralmente nega que padeça desse mal.
Abordados
quanto a isto, os homens ciumentos costumam reagir com evasivas. Já as
mulheres, respondem de uma forma mais sutil, embora não muito sincera ou
verdadeira: "não é ciúme; é zelo!". Mas uma coisa é bem diferente da
outra, na forma e intensidade, porque o zelo não produz reações
desequilibradas.
Existem
formas e graus distintos pelos quais o ciúme se manifesta. Do que se
traduz na
mordacidade de um comentário depreciativo, passando por beliscões e chutes por
baixo da mesa ou uma cara amarrada, até o bate-boca, insultos e troca de tapas,
quando sobrevém aquele surto bravo. Por outro lado, um acesso de ciúmes também pode
ocorrer em três tempos: presente, passado e futuro.
Sobre
os acessos de ciúme do presente e do passado, não há muito o que explicar. Excetuando-se
os inseguros de praxe — que querem investigar com que suas mulheres já foram
para a cama antes deles ou quem tirou delas a virgindade — aos homens, o ciúme
incomoda mais no presente do que no passado. Já as mulheres ciumentas, tanto se
atormentam com o presente, quanto sofrem pelo passado do seu homem. E, para
elas, sentir aquele desconforto com a "ex" do cara, é uma coisa
corriqueira.
O
ciúme do futuro, no entanto, é de ocorrência mais rara, embora também seja
possível. Como no caso daquele sujeito — casado com uma mulher muito interessante,
para dizer o mínimo — que sempre se encontrava com os amigos num bar da
preferência de todos, após o expediente de cada dia. Tomavam umas doses e
depois cada um deles ia para casa. Até que, indo fazer uns exames de rotina, o
tipo descobriu que tinha um câncer, em estágio já bem avançado.
Depois
de uns dias sem aparecer para as libações vespertinas da turma, decidiu que, em
lugar de se entregar à tristeza e à depressão, iria curtir a vida enquanto fosse
possível. E começou chamando o filho, com uns dezoito prá dezenove anos, para
que o acompanhasse até o bar do seu agrado, onde chegou mais cedo do que era
costume, porque queria revelar ao menino a péssima novidade.
Pediram
uma cerveja e, para espanto do rapaz, seu pai expôs a ele toda a situação,
acrescentando que, dalí até o fim de tudo, iria continuar levando a vida de
sempre, já que o quadro era irreversível. Pois o filho ia lhe bem dizendo que
era mesmo o melhor a fazer, quando chegaram ao bar os parceiros de todos os
dias. E ao vê-lo, ainda mais acompanhado do filho, fizeram aquela algazarra,
reclamando pelos dias de ausência, quando ele pôs fim ao clima de alegria,
declarando:
—
Vão desculpando aí, mas eu descobri que estou com AIDS e hoje prefiro ficar só
conversando com o meu filho mesmo. Quero resolver umas coisas com ele...
Não
precisou mais do que isto. Foi um constrangimento geral e cada um dos
companheiros de copo se desculpou e se afastou, até que ficaram sozinhos
novamente. E aí, o filho chamou a atenção do sujeito:
—
Pai, acho que você se confundiu e deu a eles uma informação errada. Você não
disse que estava com câncer; disse que estava com AIDS. Deveria ir até lá e
esclarecer isso para os seus amigos.
Sério,
o pai respondeu que não iria esclarecer nada, que ficassem pensando que ele tinha
AIDS mesmo.E diante da expressão de espanto do rapaz, explicou:
—
Deixe eles acharem que eu tenho mesmo esse negócio aí... Porque não quero ninguém
se metendo a engraçado com a sua mãe, quando ela ficar viúva!
E
foi este o exemplo mais acabado de ciúme do futuro, do qual eu já ouvi falar!
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