Crônica da semana/ RACIOCÍNIO RAPIDÍSSIMO


Wagner Fontenelle Pessôa                            

Foi ainda na semana passada que eu fiz algumas considerações, no espaço desta coluna, sobre o improviso ou verve, como também se costuma chamar, que é aquela espécie de dom que algumas pessoas possuem para responder, de forma pronta, a determinadas provocações ou situações, sem que seja necessário nenhum tempo para pensar na resposta.
            Conforme observei naquela crônica, é algo que se assemelha a uma inspiração, que surge de maneira oportuna e espontânea, quando o “repentista” da ocasião se sente instigado por alguém. Trocando em miúdos, quem tem essa verve, não precisa raciocinar para responder, no momento apropriado. As palavras lhe brotam num impulso ou num estro, como dizem os poetas.
            Em minha família, que é nordestina, há muita gente que possui esse influxo no modo de se expressar. Porque o povo do nordeste brasileiro, como se sabe, é dado a esses surtos de improviso, assim como ao emprego de expressões conotativas, que traduzem, de modo engraçado, uma situação que se queira descrever: “seco, que nem língua de papagaio”; “grosso, que nem beirada de chapéu de parteira”; “enfeitado, que nem penteadeira de rapariga”, “quebrado, que nem arroz de terceira”, “cheiroso, que nem filho de barbeiro”... E por aí vai.
            Tudo isso, no entanto, tem a ver com a inspiração, com aquele jeito de reagir e a capacidade de dar a resposta no “modo automático”, sem a necessidade de parar e racionar primeiro. O que diferencia essas coisas daquilo que conhecemos como a rapidez de raciocínio. Embora eu não esteja, com isto, pretendendo afirmar que as pessoas possuidoras dessa capacidade de improviso não sejam igualmente inteligentes. O que defendo é que são coisas diferentes: o dom do improviso e o atributo do raciocínio rápido.
            Tive um colega, em determinada instituição na qual lecionei, que pode, a meu ver, ser citado como exemplo de alguém que não possuía essa tal capacidade do improviso, mas era detentor de uma rapidez de raciocínio incomum. Professor de Língua Portuguesa, foi uma das pessoas mais cultas e mais brilhantes com quem convivi profissionalmente. Embora fosse, talvez por isto mesmo, um pouco arrogante e nada afeito às brincadeiras ou conversas descontraídas com os alunos.
            Conhecido mais pelo sobrenome do que pelo prenome — Carvalho — era frequentemente chamado Professor Carvalhinho. Não por ser muito querido, mas porque o tanto que lhe sobrava em saber, faltava-lhe em estatura. Deixando claro que, em sua presença, os estudantes não lhe aplicavam o diminutivo ao se dirigirem a ele, embora o fizessem pelas suas costas, visto que, como diz a gente do Ceará, “toda ausência é atrevida”.
            E durante um período de avaliações na escola em que lecionávamos, certo dia o circunspecto professor recebeu um telefonema em casa, de algum dos seus alunos — que não se identificou, obviamente — pedindo desculpas pelo incômodo, mas dizendo que estava em dúvida acerca da grafia de determinada palavra, com a qual se defrontara, ao estudar para a prova da sua (dele) disciplina.
            Nesse tempo, ainda não havia a internet e, muito menos, o Google. Assim, embora meio impaciente com a situação, porque nenhum professor se alegra ao ser incomodado no período do seu descanso, ele aquiesceu em sanar a dúvida e respondeu, tentando abreviar a conversa:
            — Pois não... Do que se trata? Qual é a sua dúvida?
            E o moleque do outro lado da linha, esclareceu, contendo o riso:
            — Professor Carvalhinho, se nós tirarmos essa letra V do seu nome, como o seu nome ficaria?
            Antes de bater com o telefone no gancho, o irado professor fuzilou o insolente e desocupado aluno com uma resposta, na medida do desacato que sofrera:
            — Ficaria um banquinho, para a sua mãe se sentar!
            Meticuloso ao extremo, o professor nunca me pareceu dotado de grande verve ou que fosse dado aos repentes e improvisos. Mas possuía, como se pode perceber, um raciocínio rapidíssimo!

           
           

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