Crônica da semana/ SÓ JESUS NA CAUSA!

Wagner Fontenelle Pessôa
Apesar de não ter, eu mesmo, uma relação estabelecida e intensa com qualquer religião, tenho o devido respeito por todas elas e, principalmente, por aqueles que as professam com sincero fervor. Melhor dizendo, tenho respeito por todas e por todos, desde que não se trate desse estelionato religioso descarado, que muitas praticam em busca de indevidas vantagens econômicas, para os donos e membros mais graduados da chamada “denominação”.
            Quanto a isto, eu me privarei de citar exemplos e nomes, para não desviar os rumos desta conversa. Prefiro falar sobre a fé inabalável, daqueles que depositam nas mãos de Deus — ou dos santos, dependendo do credo que professem — a solução de suas dificuldades cotidianas, sejam lá de que natureza forem. Devem imaginar essas pessoas que Deus e os santos formam uma espécie de “Procon celestial”, cuja tarefa é a de receber e resolver os problemas de cada vivente.
Elas não pensam na divindade como inspiração e força, para que cada um possa sair do seu próprio “atoleiro”, tomando providências, modificando atitudes ou alterando a forma de enfrentar as questões. Mas como um ser mágico e poderoso que irá, por um simples ato de vontade, fazer desaparecerem dívidas, doenças e problemas, no âmbito profissional ou familiar.
As promessas, aliás, são motivadas pela mesma lógica: o crente pede uma graça e, ao obtê-la, faz o pagamento a quem prometeu, em forma de orações, doações, mortificações ou sacrifícios pessoais. E disto é que nasce o estelionato que algumas igrejas e pregadores praticam, à larga, com o inestimável auxílio da mídia eletrônica. E aqui não me refiro ao chamado “dízimo”, que os adeptos pagam para custear a mantença da congregação e enfrentar suas despesas.
            São coisas do tipo: “Ofereça tudo o que você possui a Deus e receberá o triplo em menos de um ano”! A determinação é feita com o apoio de testemunhos (obviamente falsos), mas quem recebe, em nome de Deus, é a igreja, o missionário ou seus acólitos. E o resultado desse investimento no Além, como é evidente, jamais chegará ao incauto fiel.
            Mesmo assim, vai sendo plantada na mente de muitos deles, essa ideia de que todos os problemas devem ser jogados no colo de Deus. E que tudo será resolvido, por obra e graça do Divino, apesar da inércia de quem deveria agir para resolvê-los. Não se duvida que o “pensamento positivo” sempre ajuda, porque cria uma vibração favorável para a resolução das dificuldades que enfrentamos. O perigo é quando, diante dessa fé acima das circunstâncias, o indivíduo começa a confundir o que vai indo de mal a pior com aquilo que está encontrando o caminho para a solução.
            Foi o que observei num dia desses, em que, já depois do horário normal do expediente, fui a uma agência bancária fazer um pagamento num terminal eletrônico. Além de mim, só havia por lá mais dois sujeitos — que, pelo visto, eram conhecidos e íntimos — conversando, enquanto ocupavam outros terminais próximos.
            Não prestei muita atenção nos dois, até que um perguntou ao outro sobre como estava indo a situação dele no ambiente de trabalho, com o supervisor “pegando no seu pé” e infernizando sua vida. Mas ouvi bem quando o perguntado respondeu:
            — Ah, meu querido, eu fiz o que tinha de fazer: entreguei prá Deus resolver o problema, da melhor forma! E, como sempre, Ele não me falhou: fez o certo para a minha vida e pôs um paradeiro no meu problema.
            Sem compreender direito o exato sentido daquilo e, certamente, tão curioso quanto eu estava, para saber que milagre teria se operado na vida do fiel, seu interlocutor perguntou o que Deus havia feito para ele. E teve a mesma reação de espanto que tive, quando veio a explicação:
            — Fui despedido! E agora estou esperando um emprego muito melhor, que Deus vai colocar no meu caminho... Pois quando o pessoal da firma vier me chamar prá voltar, vou dizer a eles: muito obrigado, mas estou muito bem, graças a Deus!
            Tive ímpetos de perguntar ao fervoroso:
            — Escute aqui, meu amigo, num país que está com mais de 13 milhões de desempregados, não teria sido bem melhor se Deus tivesse lhe conseguido, primeiro, esse outro emprego bacana, antes que fosse despedido?

            No entanto, preferi não me meter na conversa alheia e retornei ao que estava fazendo. Mas lembrando daquele conhecido louvor, que agora é moda entre os que perderam tudo, mas preservaram a sua fé: “só Jesus na causa”!

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