Crônica da semana: UM CASO DE PURA MALEDICÊNCIA

Wagner Fontenelle Pessôa                      
Apesar do que recomendam as doutrinas cristãs, não são tantos aqueles que conseguem relevar o mal que lhes fazem, de maneira sincera e definitiva, para retribuí-lo com o perdão e o esquecimento. Somente uma pequena parcela das pessoas é capaz de reagir assim, enquanto a maioria guarda o ranço e o rancor pelo mal recebido, na forma de um ressentimento duradouro ou definitivo.
            Dentro desse grupo que não perdoa e nem esquece, porém, há aqueles que lidam com esse tipo de mágoa de um jeito muito amargo. E, em certa medida, essa reação acaba sendo bem mais penosa para os próprios ofendidos do que para os seus eventuais ofensores. Mas também há os que convivem com uma situação dessas de modo jocoso, irônico ou debochado, levando os desafetos ao ridículo. O que é muito melhor para a sua saúde emocional e se constitui numa vingança divertida, para si e para muita gente que toma conhecimento do assunto.
            O humor na área política, com frequência, persegue esse caminho. Os agentes públicos e alguns empresários de alto coturno, com insuportável frequência, dizem bobagens inomináveis ou são apanhados “com a mão na cumbuca”. Pois é aí que, fora dos eventuais prejuízos políticos ou das consequências legais, estarão sujeitos à incontrolável ridicularia
com que cartunistas e internautas se vingam e exorcizam “aquele pote até aqui de mágoa”, que cada um de nós carrega, por conta dessas figuras caricatas e descompostas, que proliferam no cenário local ou nacional.
            E não adianta tentar reprimir, como se fez durante a ditadura e como os parlamentares brasileiros tentaram fazer num tempo mais recente, mediante um projeto disfarçado de “marco regulatório da internet”, que acabou ridicularizado também. A repressão, neste caso, como se verificou nos ditos “anos de chumbo” do período militar, não estanca o deboche; apenas o torna mais sutil, porque aguça a criatividade dos indignados.
            Acontece que, de forma não tão objetiva, também nos vingamos do médico que nos atendeu mal e porcamente, do dentista que nos faz sofrer naquela cadeira supliciante do seu consultório ou daquele advogado que, desprovido de princípios éticos, advoga mais os seus interesses do que os interesses do seu cliente. Não entrarei em detalhes depreciativos acerca desses profissionais, mas que eles existem, existem!
            É por isso que corre, sobre algumas dessas profissões — a dos médicos, a dos advogados e a dos dentistas, por exemplo — uma espécie de anedotário permanente, que é uma forma peculiar de vingança, como dito ao início destas anotações. As anedotas ou piadas sobre eles são contadas e repetidas, mesmo por quem jamais foi mal atendido no consultório de um profissional do jaleco branco ou lesado por um pilantra trajando paletó e gravata. São histórias até engraçadas, mas que acabam atingindo a classe por inteiro.
            Como aquela em que o cliente chegou ao consultório de um médico queixando-se de muita dor no peito. O profissional mandou que se sentasse numa cadeira para iniciar o exame e, antes que o paciente tirasse o paletó, deu-lhe duas palmadinhas de leve, no lado esquerdo do peito — ali onde estaria o coração — e lhe disse, com o propósito de acalmá-lo: “fique tranquilo, amigo, porque vou já aliviar você disso que o incomoda...”.
            Sem atinar com o sentido exato das palavras, o cliente protestou:
            — Disso aí, não, doutor! Isso aí é a minha carteira!
            Mas, para não ficar só no exemplo da Medicina, também contam aquela de um respeitável e experiente professor de Direito, que dizia aos seus alunos, durante uma aula:
            — Lembrem-se, meus caros, que o mais importante, quando somos advogados, é saber que alguns casos se ganham e outros se perdem... Mas todos se cobram!

            Vamos deixar claro, porém, que para a maioria dos médicos e advogados, esse tipo de chacota não passa de pura maledicência.

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