Crônica da semana/ MAIS SUJA DO QUE PAU DE GALINHEIRO/

Wagner Fontenelle Pessôa                                        
Às vésperas do Dia das Mães — e, sendo este o primeiro que seus filhos passariam sem a deles — o Lula não poupou a falecida Marisa Letícia e nem se embaraçou em lançar sobre ela a responsabilidade pela mutreta que envolve o ex-presidente, a empreiteira OAS, o apartamento tríplex do Guarujá e aquele sítio em Atibaia.
            Durante o interrogatório ao qual foi submetido pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, escorregou das perguntas o quanto pode, recusou-se a responder o quanto quis e tentou descambar para um discurso político várias vezes. No que foi habilmente atalhado e contido pelo Sérgio Moro, com aquela voz mansa e o autocontrole que têm caracterizado seu estilo, no curso de todos esses processos que integram o conjunto que o público identifica como Operação Lava Jato.
            A estratégia do réu era perceptível. Auxiliado por um advogado — cujo propósito parece ser o de perturbar o andamento das audiências — pretendia transformar o seu interrogatório num comício, recursando-se a responder aos questionamentos que não lhe fossem favoráveis e dizendo somente aquilo que servisse aos propósitos da sua defesa. Mas não contava com duas coisas: a habilidade quase cirúrgica do interrogador e as contradições de sua fala, se cotejada com fatos já comprovados nos autos, sobre o tríplex e o sítio.
            Graças a isso, o juiz Moro o colocou numa situação em que não esclarecer nada seria mais danoso à sua posição no processo, do que tentar esclarecer alguma coisa. Sendo por esta razão que o ardiloso ex-presidente acabou falando mais do que pretendia e do que lhe seria conveniente. Verborrágico como costuma ser e diante da necessidade de justificar o injustificável, empurrou a defunta no fogo, lançando sobre ela a culpa pelos fatos que não teria como negar, em relação aos dois imóveis.
            Não chega a ser uma estratégia incomum, na área criminal, essa de se tentar atribuir a culpa dos fatos a algum dos réus que, antes ou durante a ação penal, tenha partido deste plano e ido delinquir no Além. Porque, pela morte, extingue-se a pretensão punitiva do Estado em relação àqueles que já abotoaram o “paletó de madeira”.
            Certa vez, num processo em que eu atuava na justiça federal do Paraná, fiz uma audiência em Maringá e a única alternativa que restava à defesa era exatamente esta: tentar responsabilizar, pelos fatos, um gerente da empresa, falecido cerca de um ano antes, num acidente de carro.
            O juiz, um jovem e brilhante magistrado, possuía uma qualidade que sempre apreciei nos julgadores. Apesar de muito competente e firme em suas decisões e sentenças, era de uma simplicidade admirável, típica dos que não são acometidos pela chamada “juizite”, que é aquela postura arrogante e muito frequente, sobretudo nos que assumem a magistratura ainda muito jovens. Era gentil com os advogados, os réus, testemunhas e, na dimensão desejável, até muito bem humorado.
            Pois foi nesse dia, em que interrogou alguns sócios da empresa e a defesa já apontava para a responsabilização do gerente morto pelos fatos que motivaram aquele processo, que, numa conversa informal após a audiência, em certo momento ele me fez a pergunta mais inusitada que já ouvi de um juiz:
            — Por que será, doutor, que sempre que há um morto no meio de um processo crime, logo arranjam um jeito de “botar” no defunto?
            Olhei para ele por um segundo, para me assegurar que estava mesmo brincando comigo. E aí, caímos os dois na risada, sem que eu respondesse nada e sem que ele me fizesse nenhuma outra pergunta sobre o assunto. O juiz de Maringá, astuto e conhecedor dessas artimanhas, sabia muito bem que aquela versão era só uma estratégia dos defensores. Do mesmo modo que o juiz de Curitiba também sabe que, nos processos a que responde no corpo da Lava Jato, culpar a falecida mulher não é, senão, uma estratégia do viúvo.

            O inusitado, neste caso, foi que o Lula tenha tido a indignidade de fazer isso com a memória da própria mulher, falecida há poucos meses. E assim, ajudado a enlamear a figura de dona Marisa, que já está mais suja do que pau de galinheiro! 

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