Crônica da semana-BASTA CALCULAR A HIPOTENUSA
Wagner Fontenelle Pessôa
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O meu pai — creio, ao
contrário de todos os seus filhos — sempre foi um homem afeito aos cálculos. A
matemática, para ele, nunca se constituiu numa exclusiva ferramenta para
resolver problemas e encontrar soluções, naquelas questões que exigem a
precisão dos números. E fazer cálculos, ao longo de sua vida, sempre tem sido
mais um prazer do que uma obrigação ou simples necessidade.
Ainda hoje, que já passou dos noventa e se aproxima dos
cem anos de idade, lúcido e dotado de uma memória prodigiosa, como todos nós gostaríamos
de ser e ter, é impressionante a sua habilidade para fazer operações
matemáticas “de cabeça”, sem nunca ou quase nunca recorrer ao auxílio, sequer,
de uma calculadora eletrônica. Eu mesmo já lhe dei uma dessas, faz alguns anos,
que ele agradeceu com delicadeza e guardou em algum armário de sua casa, como
se fosse um objeto absolutamente inservível para as suas necessidades comuns.
Padecendo de uma insônia crônica ao longo da vida — que a
minha mãe classificava, não como insônia, mas como “sono desorganizado” — não
recorria aos remédios para dormir e nem “contava carneirinhos”, como alguns
experimentam fazer. Contava números, de três em três. E dizia que o sono
perdido vinha, quando ele começava a errar naquela sequência: três, seis, nove
doze, quinze, dezoito... Mas isso, às vezes, só acontecia quando já estava lá
pela casa da primeira ou segunda centena na contagem. Uma técnica incomum,
convenhamos...
Por profissão, trabalhou a vida toda na área da
engenharia civil, edificando casas, construindo estradas e tudo mais o que
dependesse de cimento, areia, terra, tijolo, brita... E dos cálculos,
naturalmente, porque essa é que tem sido a grande paixão da sua vida. Tenho
comigo um retrato em que ele está com um grupo de alunos, em meio a uma aula de
Topografia. A minha mãe olhava aquela foto e dizia: “Esta é a imagem que melhor
representa o seu pai! É visível a alegria dele com aquilo que está fazendo aqui...”.
E era mesmo.
Para os quatro primeiros filhos sonhou que os meninos
seriam engenheiros e as meninas, arquitetas. Um sonho frustrado, aliás, porque
nenhum de nós possuía a menor aptidão para isto. De minha parte, sempre gostei
das Letras, da História, da Filosofia e da Sociologia, mas não suportava a
Matemática e a Física, por exemplo. Nenhum de nós herdou suas habilidades para os
números, para os cálculos e, menos ainda, para serviços de engenharia.
Nenhum
de nós se destacou no estudo das ciências matemáticas. E, falando apenas por
mim — já que não pretendo toldar o histórico escolar de nenhum dos meus irmãos
— sempre tive um desempenho medíocre nesse campo do conhecimento. Assim, logo
que pude, peguei o caminho para o curso de Direito e limitei as minhas
necessidades de cálculos às quatro operações e à regra de três, simples. E olhe
lá!
Tomamos
outros rumos, mas sempre que nos víamos ou nos vemos diante de um problema
nessa área, apelávamos e ainda apelamos para suas sugestões e orientações. Foi
por esta razão e movido pela confiança que continuo a depositar na sua
experiência e conhecimento, que há algum tempo, pensando em substituir a cobertura
de um chalé que tenho na praia, fiz-lhe uma consulta por telefone. Pedi que me
explicasse como calcular o número de telhas que eu iria gastar nessa
empreitada.
Com aquele jeito tranquilo que é de seu temperamento, ele
me disse:
— Em primeiro lugar, você mede, em linha reta, a
distância entre o centro e a ponta do telhado. Em seguida, você mede a
distância entre esse centro e o topo, onde fica a cumeeira. E faça isso de
ambos os lados, porque eles podem não ser iguais...
Sem entender direito o que viria em seguida, perguntei-lhe
o que eu deveria fazer depois disso, estando de posse daquelas medidas. Ao que
ele me respondeu, como se fosse a coisa mais simples e natural deste mundo:
— Bem... Com essas medidas você já tem os dois catetos.
Agora basta calcular a hipotenusa.
Ora, para quem só se lembra das quatro operações básicas
e mais da “regra de três”, mandar que eu calculasse a hipotenusa só podia ser uma
brincadeira! Por isto, eu apenas comentei:
— Papai, tenha paciência!
Caí
na risada, agradeci pela explicação e mudei de assunto. Deixando para perguntar,
depois, ao pedreiro que trabalhava para mim, quantas telhas eu precisaria
comprar, se quisesse mesmo mudar o telhado.
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