Crônica da semana- POR MAIS COMPLICADO QUE PAREÇA
Wagner Fontenelle Pessôa
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O Dedé foi uma das pessoas mais feias
que eu já conheci na minha vida. E olhe que eu não tenho conhecido pouca gente
feia nesse mundo! Mesmo assim, num campeonato internacional de feiura, ele iria
com certeza para o pódio! O Dedé era muito feio e esquisito! Apresentava tal desacerto
nas linhas da face que, à primeira vista, deixava pensar que houvesse sofrido
algum acidente grave ou segurado algum trem desgovernado com a cabeça. Porque,
em seu rosto, nada combinava com nada e a impressão que se tinha era a de que
ele fosse uma “gambiarra” do Criador.
Além
disso, o homem tinha uma “carcaça” bem desconjuntada; aquilo que hoje se
chamaria de “desalinhamento postural global”. Como se não bastasse ter a boleia
avariada, a sua carroceria também era totalmente troncha! As pernas pareciam
desproporcionalmente compridas para o tronco e ombros estacionavam em patamares
desnivelados. Se fosse um caminhão, seria possível dizer que o “parafuso de
centro” da carroceria estava quebrado. Sabem aqueles caminhões que andam na
estrada com a cabine olhando para frente e a traseira olhando meio de lado?
Pois era daquele jeito!
Quando
o vi pela primeira vez, saindo de uma escola na qual eu começara a lecionar,
tomei um susto. Ele dirigia um fusca — isso, lá pelo começo dos anos de 1970 —
e o que me ocorreu, imediatamente, foi imaginar quem teria sido o irresponsável
que entregara a direção de um carro a uma pessoa daquelas, que supus não ser
totalmente normal. Mal sabia eu, que ainda não o conhecera, que se tratava de
um brilhante professor de Matemática e, vale mencionar, uma das inteligências
mais admiráveis, dentre aquelas inteligências brilhantes que aprendi a admirar
na minha trajetória por esta vida.
O
Dedé, como acabei descobrindo com o passar do tempo e com a nossa convivência
cotidiana, não só possuía uma inteligência singular, como era um excelente
professor, admirado e querido por seus alunos e colegas. Demais disso, tinha um
apuradíssimo senso de humor, o que tornava a convivência com ele sempre muito
agradável. Mas era feio... Como era feio o Dedé!
Deu-se
que, passados alguns anos da nossa convivência naquela escola, fomos convidados
a lecionar, também, num outro colégio. Desta feita, um educandário de
orientação confessional, tocado pelas irmãs Doroteias, que mantinha cursos,
desde o nível pré-escolar até o que se conhece agora como ensino médio.
Se
bem me lembro, o estabelecimento estava expandindo suas atividades e, naquele
ano, foram contratados diversos professores novos, para fazer frente ao aumento
da demanda. Entre eles, o Dedé, a quem caberia o papel de lecionar para os alunos
do então segundo grau e, por certo, assustar as criancinhas do pré-escolar.
Só
que colégio de freira tem uma prática pedagógica diferente daquela a que
estávamos acostumados, lecionando em colégio público. É reunião, que não acaba
mais, festinha a propósito de qualquer coisa e “conselhos de classe” sem fim!
Uma dinâmica irritante porque, como entendíamos naqueles tempos, pouco ou nenhum
proveito advinha da maior parte desses eventos. Sobretudo das tais “festinhas”,
de comparecimento compulsório, que, a meu ver, só divertiam mesmo às
professoras dos primeiros níveis (acostumadas com os folguedos infantis) e às
próprias religiosas, que experimentavam, por assim dizer, uma “mudança de
hábito” em tais ocasiões.
Pois
foi a uma dessas festinhas acontecidas no colégio — relativa ao Dia das
Crianças — que compareceu o Dedé, trazendo ao colo sua filha, pouco mais que um
bebê e muito bonita por sinal. Todas as professoras se encantaram com a
menininha, fazendo gracinhas para a pequena, como sempre acontece em
circunstâncias assim.
E,
em meio aos elogios rasgados que todos faziam à beleza da menina (que, por
evidente, deveria ser parecida com a mãe), uma das professoras veteranas, sem
nenhuma noção de conveniência ou elegância, mas pretendendo parecer engraçada,
perguntou, de chofre, ao orgulhoso pai da criança:
—
Como é que você, com uma cara dessas, consegue fazer uma filha tão linda, Dedé?!
De
repente, na fisionomia de todos e como naqueles conhecidos versos do Vinícius,
“do riso fez-se o pranto e das mãos espalmadas fez-se o espanto”.
Constrangimento geral, até que o próprio indagado respondesse, quebrando o mal
estar criado pela colega e devolvendo a descontração ao ambiente:
—
Acontece, professora, que eu não fiz a minha filha com a cara...
Nesse
dia, o Dedé ofereceu àquela inconveniente e grosseira colega mais do que uma
resposta adequada e oportuna. Como bom conhecedor das Ciências Matemáticas que
era, deu a ela uma didática demonstração de que, por mais complicado que pareça
o seu enunciado, qualquer problema pode ser resolvido de maneira inteligente.
E,
por conta disso, dali por diante, ele pareceu menos feio a todos nós.
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