A luta de Atafona contra o mar

A vida de pelo menos 300 pessoas que residem em 40 imóveis no Pontal de Atafona, em São João da Barra, tem sido a espera pelo dia em que o mar deverá bater em suas portas. Sem cerimônia, ele chega com força e arrasta tudo consigo. Àqueles que foram atingidos, só resta buscar um recomeço em outro lugar. Para outros, no entanto, isso pode acontecer já na próxima maré alta. A erosão costeira já consumiu cerca de 450 casas e pontos comerciais e aproximadamente 15 ruas desde a década de 1970, época em que o problema começou. A paisagem onde o Rio Paraíba do Sul encontra o Oceano Atlântico mudou drasticamente ao longo dos anos e uma lenda local conta que a fúria do mar só irá se aplacar quando alcançar a Igreja de Nossa Senhora da Penha. E, para isso, falta pouco mais de um quilômetro. Enquanto ele avança, a Prefeitura de São da Barra tenta licenciamentos ambientais para intervenções paliativas, mas a obra apontada como necessária para cessar definitivamente o fenômeno natural está orçada em cerca de R$ 130 milhões.

Histórias de vida

Por volta das 14h de um domingo, há cerca de dois meses, o mar alcançou a casa e o bar da comerciante Helena Barreto, de 45 anos. Ela estava com o marido e o filho no local, quando passou pela sala e notou que o quarto já havia sido levado. “Foi de repente mesmo. Não ouvimos nada. Nenhum barulho anormal. Quando vimos, nossas coisas já estavam boiando. Na maré alta seguinte, o mar acabou de levar tudo”, lamentou Helena que se mudou para uma casa vizinha.

Desesperança semelhante vive o pescador Manoel Antônio Soares de Souza, 75 anos. Ele sabe que, provavelmente, sua casa será a próxima a ser tomada pelo oceano, que ganha força na área com o enfraquecimento do Rio Paraíba do Sul. Uma parede do imóvel já foi atingida. “Já entreguei nas mãos de Deus e estou aguardando para saber qual será a decisão do mar, se ele leva minha casa ou não”, comentou. Enquanto fazia esta reportagem, a equipe do Jornal Terceira Via encontrou o pescador tirando de dentro do imóvel a areia que o mar deixou.

A dona de casa Maria Helena do Carmo, 73 anos, nasceu no Pontal de Atafona e mora lá desde então. Sua casa também está a alguns metros do alcance do mar. Com a propriedade de quem foi testemunha dos primeiros avanços da água, ela conta uma história antiga da vila: “Dizem que o mar só ficará satisfeito quando chegar à Igreja de Nossa Senhora da Penha”.

Causas da erosão costeira
Os cientistas deram o nome de erosão costeira. Os moradores do Pontal de Atafona, que perderam tudo ou estão a ponto de perder, chamam de pesadelo. “Quando a maré está mais alta, passamos a noite inteira vigiando o mar. Só vamos dormir quando o dia já amanheceu e o risco é menor”, desabafou a comerciante Helena Barreto.

O ambientalista Aristides Soffiati explica que o fenômeno que acontece no Pontal é uma combinação de três fatores: “Em primeiro lugar, aquela já é uma área de erosão marinha. O segundo fator que contribuiu para o agravamento da situação é a perda de vazão líquida e sólida do Rio Para- íba do Sul. O rio funciona como um elemento que equilibra o avanço do mar, mas tem sofrido grandes intervenções que acabaram resultando na perda de força, como constru- ção de barragens e obras de transposição ao longo de seu leito. O terceiro fator que vem sendo estudado é o aquecimento global. O nível do mar tem subido e a explicação mais aceita pela comunidade científica é o aquecimento global, que tem derretido as geleiras”, esclareceu.

Comércio fraco
O comércio também sofre com o avanço do mar. Os comerciantes reclamam que os turistas sumiram, já que no local não há mais área recomendada para banho. Muitas pessoas visitam o lugar para tirar fotos, mas poucos permanecem para gastar dinheiro nos bares à beira da foz. “Os prejuízos são incalculáveis”, disse Denis Berto Nunes, 35 anos, que trabalha no frigorífico do pai. Ele reclama que a área está assoreada e os barcos não conseguem mais atracar para descarregar o pescado.

Sobre o assoreamento, o secretário de Meio Ambiente de São João da Barra, Alex Firme, informou que a Prefeitura tenta licenciamento ambiental junto ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para realizar a dragagem do Pontal.

Ao sabor da maré
De acordo com os números da Defesa Civil de São João da Barra, aproximadamente 300 pessoas estão na área de grau de risco 1, posição mais elevada da escala, por causa da proximidade com o mar. O subcoordenador do órgão, Wellington Barreto, ressalta que a chegada de frentes frias à região pode agravar ainda mais a situação dos moradores do Pontal de Atafona.


“Toda vez que chega uma frente fria, as águas ficam de Sul para Norte e represam dentro do Pontal. Esse fenômeno faz com que as ondas avancem até as casas. A maré que agride mais aquela área é a de lua nova, porque tem sempre um metro a mais que a maré de lua cheia”, elucidou.

Solução Paliativa e definitiva
O secretário de Meio Ambiente de São João da Barra, Alex Firme, admite que o processo de avanço do mar está acelerando. Há duas semanas, outro ponto comercial, o Bar do Santana, foi levado pelas águas. Segundo ele, os órgãos municipais estão se mobilizando para amenizar o problema, enquanto uma obra definitiva de contenção não é realizada. Barreiras feitas de sacos de areia já foram instaladas no Pontal para evitar que o mar volte a tomar as ruas.

É um problema complexo, de décadas. Estamos buscando as licenças ambientais para que possamos realizar pequenas intervenções no Rio Paraíba do Sul, na tentativa de aumentar o fluxo de água que chega até a foz. Isso não resolverá o caso, mas amenizará um pouco”, avisou.

A solução definitiva viria com uma obra orçada entre R$ 100 milhões e R$ 130 milhões, conforme destaca o presidente da Câmara Municipal de São João da Barra, Aluizio Siqueira. Ele revela que poderes Legislativo e Executivo estão se movimentando para conseguir verbas estaduais e federais para realizar a intervenção. O projeto foi apresentado em 2015 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e prevê a proteção e restauração da praia de Atafona, com a construção de nove espigões associados ao aterro hidráulico. “Só com a união entre município, estado e governo federal que vamos conseguir resolver esse problema que nos assola há quase cinco décadas”, finalizou o parlamentar.

Fonte: Terceira Via.


Um comentário

Anônimo disse...

O homem despreza a natureza e a natureza despreza o homem!