Crônica da semana - O ENCANTADOR DE SERPENTE
Wagner
Fontenelle Pessôa |
Por muito
tempo, lecionei numa escola em que havia, na parte da educação artística, um professor
de saxofone que era muito querido pelos seus pupilos. Tocava que era uma
beleza, tanto o sax alto, quanto o sax baixo. Embora, como algumas de suas
alunas viriam a descobrir depois, gostasse mais de tocar no baixo do que no
alto. Suas classes eram bem concorridas, principalmente pelas jovens
adolescentes que, ao lado do compreensível gosto pela música, também adoravam o
estilo, assim, meio “zen”, do fascinante professor.
Além de tudo isto, o competente músico ainda
desfrutava de um elevado conceito junto à direção do estabelecimento, pelo fato
de ser um dos seus mais fiéis colaboradores na política interna da escola.
Sempre disposto a desempenhar qualquer papel — inclusive, o de expor-se ao
ridículo, se necessário — em defesa das posições que mais convinham aos
administradores daquela instituição.
Mas havia alguma coisa estranha na didática e nas
opções pedagógicas do saxofonista. Durante suas aulas, sobretudo para as
classes de maioria feminina, costumava salivar além do normal, para quem
executa um instrumento de sopro. O fato não passava despercebido para os
colegas e nem para os dirigentes do educandário. Embora muitos preferissem
acreditar que o problema se devesse a um defeito da “boquilha” que costumava
utilizar. Pois é verdade que já não se fazem mais “boquilhas” como antigamente.
Houve uma vez, porém, em que, ao final das aulas,
chamou umas alunas e lhes disse:
— Quero ensinar a vocês uma coisa especial... Um
truque maravilhoso que eu conheço e acredito que irão gostar! Vão aprender como
é que se encanta uma serpente, tocando o saxofone.
— Encantar serpente, professor?! Responderam as
meninas, em coro e num tom de espanto.
— Perfeitamente! Eu trouxe aqui a minha serpente de
uso pessoal e aí verão como este é um truque fácil de fazer. Digo qual é a
música, vocês vão tocando e ela vai levantando a cabeça.
E as garotas se admiraram, ainda sem
entender qual seria o “gran finale” daquele truque espetacular:
— Que coisa incrível! Como é fantástico
o mundo da música!
Dito e feito! As alunas começaram a soprar os seus
respectivos instrumentos, mas quando a serpente do professor começou a se erguer,
era um pouco diferente daquilo que haviam imaginado as adolescentes. Assustadas
pela cara de poucos amigos do réptil em questão abandonaram a sala de aula
correndo, em busca do gabinete da diretoria, para queixar-se aos dirigentes da
escola, pela visão daquela cobra esquisita, que algumas das meninas, até então,
só conheciam mesmo de ouvir falar.
O incidente espalhou-se pela cidade e as famílias
das estudantes pediram providências. No começo, os administradores da
instituição ainda tentaram amesquinhar a importância do problema. Consta até
que o Diretor Geral — ou alguém em seu nome — teria chegado a sugerir para a
mãe de uma das adolescentes que, se não estava satisfeita com a iniciação musical
de sua filha, bem poderia transferi-la para outro estabelecimento.
Depois, pressionada
pela opinião pública — porque o assunto terminou sendo objeto de uma nota na
imprensa — a diretoria acabou mandando instaurar uma sindicância para apurar as
responsabilidades no ocorrido. Uma coisa assim, meio “para inglês ver”. E, no
final de tudo, saiu a “dura punição” do encantador de serpente: sessenta dias
de licença remunerada!
Os colegas se indignaram, apesar de compreenderem que o professor de saxofone
era uma pessoa com problemas e necessitado de uma intervenção profissional.
Porque, conforme se descobriu depois, não fora esta a primeira tentativa que
ele fizera de ensinar esses “truques estranhos” às alunas, após as aulas. Mas
tudo não passou de uma grande pizza, como se o caso houvesse sido decidido pelo
STF, com a relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Antes,
porém, que o assunto caísse no esquecimento, alguém comentou na sala dos
professores que, já em casa, a mãe de uma das meninas pôs a filha “em
confissão”. E, angustiada pelo que pudesse ter ocorrido em toda a sua extensão,
perguntou à jovem, que ainda não conhecia todas as malícias da vida:
— Diga a verdade, querida... Ele chegou a mostrar o “órgão” para você?
Ao que a garota teria respondido:
—
“Órgão”, mãe? Não... Eu achei mais parecido com uma “flauta”!
De fato, para quem estava estudando música, não deixou de
ser uma resposta apropriada. Embora, de todo este caso, esta seja a única parte
que não sei se é verdadeira. Porque, quanto ao mais, o referido é verdade e dou
fé!
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