Crônica da semana/ ISSO NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA!
Wagner Fontenelle Pessôa
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Há uma tendência
natural, em todas as pessoas, que é assimilar o jeito próprio de falar de certo
lugar, depois de viver por ali durante algum tempo. O ouvido humano e a forma
como o nosso cérebro processa o que ouvimos se adapta às gírias, aos
regionalismos, à musicalidade da fala (que chamamos sotaque) e até à
deterioração do idioma ou à corrupção das palavras. Na maior parte das vezes,
pela diminuição do esforço em pronunciá-las da maneira correta. Noutras, porque
o nosso ouvido acaba se acostumando com aquela transformação indevida e
deixamos de percebê-la.
O emprego das palavras com tais modificações, também
chamadas de corrutelas ou corruptelas, em grande número de casos, não tem nada
a ver com a ignorância acerca da maneira pela qual seria correto pronunciá-las.
Decorre, na verdade, da circunstância de o nosso ouvido habituar-se àquela
alteração, que vai, aos poucos, tornando a linguagem menos apurada. E em alguns
Estados ou Regiões isso pode ser observado com extrema facilidade.
Muitos
linguistas discordam dos conceitos de certo e errado no que a isto se refere,
dizendo que a linguagem culta e a linguagem coloquial são, apenas, formas
diferenciadas de se falar um mesmo idioma. Mas, por uma questão muito pessoal,
prefiro insistir na busca da correção, no falar e no escrever, embora reconheça
que, como todo mundo, estou sujeito a tropeços e escorregões na minha
convivência diária com a Língua Portuguesa.
Em certas regiões do Espírito Santo, Rio de Janeiro e
Minas, por exemplo, é corriqueiro ouvirem-se as palavras que expressam uma ação
(o chamado gerúndio), com a supressão da letra d que faz parte delas:
“fazeno”, “viajano” e “comeno” (em lugar de fazendo, viajando e comendo). E no
sul capixaba ainda tem um negócio de flexionar o gênero da palavra “questão”,
que não pode ser flexionada, porque já se trata de um substantivo feminino. E,
mesmo assim, dizem por lá:
— Eu não faço a menor “questã” disso ou daquilo...
Contudo,
é em Minas Gerais, talvez, que se pode ouvir o maior número dessas alterações,
no modo de pronunciar as palavras. Mais do que isto, os mineiros não só
corrompem as palavras, como se mostram absolutamente orgulhosos do seu
linguajar típico. Mas isso, como dito, não tem qualquer relação com o nível
intelectual ou de escolarização das pessoas. É o jeito pelo qual eles falam o
Português.
E como foi em Minas que nasceram os meus dois filhos,
sempre tivemos — a mãe deles e eu — o cuidado de corrigi-los nessas
modificações das palavras, típicas daquilo que, nas “Gerais”, é conhecido como
o “mineirês”. Não queríamos que eles se acostumassem a pronunciar as palavras
de um jeito incompleto ou incorreto. Assim, quando o mais velho foi matriculado
num curso pré-escolar, redobramos o nosso cuidado quanto a essa possibilidade.
Desse modo, uma das primeiras coisas que tivemos de
explicar ao pequeno foi sobre o emprego da preposição “em”, que, na linguagem
coloquial dos mineiros costuma ser substituído pelo “ni”. Deste jeito: “estive
ni sua casa”, “ni minhas férias eu vou viajar”, “eu estava pensando ni você”
(que, neste caso, pode sofrer uma nova corrupção, para “eu estava pensando
nocê”)... E vai por aí afora. Então, sempre que ele falava dessa forma, a gente
corrigia, marcando a memória dele:
— “Ni”, não! “Em”!!!
E isto se repetiu tanto que, às vezes, ele ficava
distraído dizendo sozinho, como se fosse uma brincadeira: “Ni, não! Ni, não!
Ni, não!”. E, assim, acabou abandonando o uso do “ni” em definitivo. Mas só
soubemos o quanto ele havia assimilado aquilo quando, certa vez, a mãe viajou
com ele a Niterói, para visitar uma irmã dela. Poucos dias depois de
retornarem, a propósito de alguma coisa, ele lhe fez uma pergunta:
— Mãe, “Enterói” é mais longe do que Campos?
Ela riu e fez a correção, supondo que ele se esquecera do
nome da cidade e dizendo que não era “Enterói”; que a cidade se chamava
Niterói. Imediatamente e com muita convicção, o menino discordou dela, usando o
seu próprio argumento:
— “Ni”, não! “Ni”, não! Em terói!
É por isto que muitos especialistas em psicopedagogia
dizem que apenas os adultos é que aplicam, às palavras e expressões, conceitos
e juízos preestabelecidos, sentimentos e emoções. As crianças lidam com a
comunicação oral de uma forma absolutamente lógica.
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