Crônica da semana/ OU COISA PARECIDA...

Wagner Fontenelle Pessôa 
Havia um funcionário do Banco do Nordeste em Fortaleza, que era uma dessas pessoas de muitos méritos: Leonardo Antônio de Moura. Veio de uma origem humilde no interior do Ceará, mas, por esforço e valor próprios, chegou à carreira de funcionário do BNB – por muito tempo, uma das mais almejadas, pela boa remuneração oferecida aos jovens que por ela enveredavam. E tendo chegado lá, não se deu por satisfeito com o próprio status e passou a ajudar os irmãos, para que viessem estudar na capital.
            Assim, todos alcançaram o seu pergaminho, para orgulho da família, exceto um deles que, por sua própria escolha, enveredou pela vida de bancário também. Louve-se, portanto, o Senhor Leonardo de Moura, que abriu uma trilha, da vida modesta no interior até o crescimento social e a estabilidade financeira, que se transformou numa estrada, pela qual também passaram seus irmãos.
            E depois de cuidar do essencial, que incluía a definição de sua carreira, sua estabilidade financeira e patrimonial e a meritória ajuda aos irmãos, foi o homem cuidar do acessório, que nenhum de nós deve dispensar. Viajar um pouco (ou muito, sei lá), conhecer mais daqui, dali e de alhures, correr o mundo e aproveitar a vida, na medida de suas possibilidades e interesses. Porque chega um momento na existência de todos em que nos sentimos compelidos a fazer coro com o poeta Belchior, dizendo para nós mesmos:
            - Deixemos de coisas, cuidemos da vida... Ou coisa parecida...
            E foi assim que o destino reservou ao Senhor Leonardo Antônio de Moura a oportunidade de conhecer outras terras, além do Ceará e até mesmo do Brasil, sendo numa dessas viagens que ocorreu o episódio que pretendo narrar.
            Estando o protagonista desta história em viagem à Argentina, certo dia resolveu atravessar o Rio da Prata, num percurso que é muito conhecido pelos turistas que já passaram por lá, nas embarcações que saem de Buenos Aires em direção a Montevidéu ou vice-versa. É a oportunidade de conhecer dois países, simplesmente navegando pelo rio, de uma margem até a outra. O que tanto vale para quem está no Uruguai, quanto vale para quem está na Argentina.
            O fato, porém, é que como são países diferentes, a travessia exige a apresentação de passaportes e tudo mais o que se exige dos viajantes quando cruzam as fronteiras internacionais, exceto se eles possuírem algum tratado de livre trânsito de pessoas. E não sendo este o caso, o Senhor Leonardo de Moura cumpriu os trâmites e, no momento do embarque, apresentou o seu passaporte e subiu a bordo.
            Passado algum tempo, porém, ouviu a chamada pelo serviço de som da embarcação, feita e repetida em compreensível castelhano:
            - SENHOR “DE MOURA”! SENHOR “SOBROU”!... SENHOR “DE MOURA”! SENHOR “SOBROU”!...
            Ao ouvir aquilo, o cearense indignou-se, sem compreender o significado do despropositado aviso:
            - Como assim, eu sobrei?! Como assim, se eu já estou até dentro do barco?!
            Partiu em direção à entrada da embarcação disposto a tomar satisfações sobre o assunto. E só chegando lá é que foi informado sobre o motivo da chamada: ele havia esquecido o seu passaporte no balcão da “migra” (o setor que cuida da imigração) e estava sendo convidado a ir buscá-lo.
            E enquanto lhe restituíam o passaporte, também se aproximou do balcão outro passageiro, tentando se comunicar em Espanhol, mas com um acentuado sotaque francês. Era o Senhor “Sobroux”, que, igualmente, se esquecera do seu documento em mão dos funcionários argentinos da imigração.

            Reconheçamos, porém, que o equívoco é justificável. Afinal de contas, esse sobrenome esquisito, pronunciado por um argentino, induz ao entendimento de que está querendo dizer o que, na verdade, não está. Ou coisa parecida...

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