Crônica da semana/ POR ISTO OU POR AQUILO

Wagner Fontenelle Pessôa                                   
            Tem gente que é ótima para ter ideias, fazer planos e projetar coisas, mas péssima na hora de sair do planejamento para a execução desses planos e desses projetos. Pior ainda que isto, existem aqueles que planejam, dão início ao trabalho ou à obra e nunca concluem nada. Muitas vezes, por falta de discernimento; noutras, por falta de iniciativa.
            Ao tempo em que residi e trabalhei na cidade de Ouro Preto (MG), tive a sorte de conviver com uma das inteligências mais fulgurantes e uma das pessoas mais cativantes que já conheci ao longo de toda minha vida. Era um paulista de São José do Rio Pardo, graduado em Ciências Jurídicas e também possuidor dos cursos de Paleografia, História Diplomática e Literária, Economia e Administração.
            Durante sua vida, Dr. Tarquínio José Barbosa de Oliveira dedicou-se à advocacia, mas, em especial, às atividades empresariais na área da farmacêutica. Contudo, apaixonado pela História — sobretudo, pela História da Inconfidência Mineira, sobre a qual deve ter sido um dos maiores, senão o maior especialista brasileiro — certo dia resolveu que queria viver o resto de sua vida em Ouro Preto e ali haveria de morrer. Pois foi o que fez, para a sua felicidade e sorte dos que, como eu, puderam usufruir um pouco da convivência com ele.
            Conversar com o Dr. Tarquínio, a propósito de qualquer tema, era sempre um prazer, que deixava aos interlocutores aquela sensação de estarem ouvindo uma aula magistral. Por mais corriqueiro que fosse o assunto e embora a narrativa ocorresse, invariavelmente, num tom coloquial, conversar com ele era algo imperdível. Sobre todos os assuntos, ele falava com incomparável eloquência, profundidade e fluência. Atributos que, reconheçamos, não são fáceis de reunir numa mesma locução. 
            E numa dessas conversas, falando de suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial, foi que contou sobre um cartaz que havia, no QG do comando norte-americano na Itália, que trazia mais ou menos o seguinte: “Se um oficial tem discernimento e iniciativa, deve ser enviado para a frente de combate, porque é ali que ele melhor servirá ao país. Se o oficial tem discernimento, mas não tem iniciativa, o melhor lugar para ele é na retaguarda, trabalhando no planejamento das operações. Agora, se um oficial tem iniciativa, mas não tem discernimento, cadeia com ele, porque é esse tipo que vai fazer a gente perder a guerra!”.
            Rimos muito dessa pequena história, mas não pudemos rir da lógica que havia nessa recomendação. Até porque isso se aplica aos comandantes militares e, igualmente, aos gestores públicos. E quando digo gestores públicos é porque, na iniciativa privada, esse tipo de administrador não se cria. Logo será despedido ou quebrará a empresa! Mas, por extensão de raciocínio, isto me traz à lembrança o diálogo ocorrido, certa vez, entre o meu pai e um dos seus empregados.
            Havia na cidade em que morávamos o filho de um próspero comerciante, que era gente ligada, por laços de amizade, à nossa família. Candidato eterno a prefeito do município, que, no entanto, jamais conseguia se eleger. A cada eleição o rapaz se candidatava ao cargo. Porém, mesmo sendo de uma família muito respeitada naquela coletividade, ao se abrirem as urnas, “ele não fizera nem para o café”, como se diz. Era derrota sobre derrota em suas pretensões eleitorais. Até que, pela vez derradeira, o rapaz se candidatou e os amigos da família resolveram ajudar, pedindo votos para o aspirante a se sentar na cadeira de prefeito do município.
            E foi assim que, de maneira tão discreta quanto possível, o papai abordou um dos seus empregados sobre a questão:
            — E aí, fulano, você está votando com o Dr. Roberto nesta eleição?
            Mas a resposta que recebeu não foi muito favorável ao candidato. O empregado disse que não; que não votaria nele. O que fez o meu pai tentar entender os motivos do voto contrário, perguntando-lhe se não achava o Dr. Roberto um homem bom para ser o prefeito da cidade. E foi aí que o empregado, de um jeito simples, explicou:
            — Não é que ele não é bom, Seu João... É que o “dotô” Roberto é um “home” de muitas iniciativas e de poucas “acabativas”...
            Provavelmente, o Dr. Roberto era daqueles que tomam iniciativas, mas não têm o discernimento necessário para saberem onde e como é preciso persistir. Ou então, em alguma eleição anterior, o candidato havia feito promessas ao irredutível eleitor e não as cumprira. Por isto ou por aquilo, o meu pai preferiu dar o assunto por encerrado e desistiu de pedir votos para ele.


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