Crônica da semana/ AQUILO É QUE ERA UM GARÇOM SINCERO!
Wagner Fontenelle Pessôa
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Ao tempo em que o Jô Soares era
humorista e não entrevistador — muito mais engraçado e menos arrogante do que
se tornou depois — num dos vários programas que teve na televisão, ele encarnava
um personagem divertidíssimo. Era um garçom que se punha a fazer caras e bocas
de desaprovação, a cada pergunta que os clientes lhe faziam sobre as opções do
cardápio.
Se
um dos fregueses perguntava pelo filé, que era indicado no menu como uma das especialidades da casa, ele não hesitava em
responder, baixando o tom da voz, para que o dono do estabelecimento não o
ouvisse:
—
É péssimo! A carne vem quase crua, o molho não tem gosto de nada e as batatas,
normalmente, estão mal cozidas e duras!
Isso
se repetia em relação a todas as opções do cardápio, até que, irritados, os
fregueses lhe indagassem se ali não havia nada que prestasse para se comer. Ao
que o garçom personificado pelo “gordo”, esclarecia:
—
Aqui, não! Mas logo aí em frente, do outro lado da rua, há um restaurante que
tem uma cozinha maravilhosa, da melhor qualidade, que é do meu irmão, onde se
come muito bem!
Era
um esquete divertido, suponho que criado pelo Max Nunes, um dos melhores
redatores de textos de humor que já tivemos neste país. E que, durante décadas,
foi corresponsável pelo sucesso dos programas do Jô Soares: “Satyricon”, “Planeta
dos Homens”, “Viva o Gordo” e outros mais.
Fazia
tempo que escapara da minha memória esse quadro humorístico, até que,
recentemente, voltei a lembrar dele e daquela ideia defendida por alguns, de
que “se a arte imita a vida, por vezes, a vida também imita a arte”.
Fui
almoçar com os meus filhos num restaurante que eu já não frequentava há
bastante tempo. Havia trocado de proprietário e, “sob a nova direção”, eu ainda
não o conhecia. É um daqueles em que o cliente escolhe a chamada “pièce de resistence” (ou seja, a carne,
o peixe ou o frango que será o básico da refeição) e por acréscimo terá, como
parte do pedido, um rodízio de acompanhamentos.
Quando
o sistema funciona bem, é uma ótima opção para quem pretende ter uma refeição
mais leve e rápida. Mas esse não foi o caso. Apesar de sermos os primeiros
clientes a chegarem naquele dia, os pedidos levaram quase duas horas (sem
exagero) para serem atendidos. Nesse meio tempo, as outras mesas foram sendo
ocupadas, de tal sorte que o serviço dos acompanhamentos foi péssimo, pela qualidade
e pela demora no intervalo de um para outro.
O
fato é que só havia um garçom atendendo no salão e, como soube em seguida, apenas
uma cozinheira também. Por prevenção, não costumo reclamar da comida ou do
serviço enquanto ainda estou almoçando ou jantando num restaurante. Porque não
quero que um cozinheiro estressado me faça alguma imundície com aquilo que
ainda irei consumir. Mas terminado o almoço e paga a conta, fui até o caixa e
perguntei pelo proprietário.
Fui
atendido pelo próprio garçom, que também estava cuidando do caixa e me disse
que o dono do estabelecimento havia saído, mas não sabia quando retornaria. Diante
disso, eu lhe pedi que transmitisse ao proprietário o meu recado de que o
atendimento fora péssimo, embora ressalvando o desempenho pessoal do garçom
que, dentro de suas possibilidades, fizera o máximo para nos servir bem. O que
era a expressão da verdade, afinal.
Acrescentei
que, com aquela qualidade de atendimento, ele quebraria a casa em menos de um
ano e concluí dizendo o seguinte:
—
Para ser bem sincero, eu jamais traria nenhum convidado meu a este restaurante.
Mas
o inesperado ficou por conta da sua reação. Ele me olhou com um ar de
cumplicidade e, baixando o tom da voz, fez uma confidência:
—
Prá falar a verdade ao senhor, eu também não traria...
Aquilo
é que era um garçom sincero! Na hora, só não me ocorreu foi perguntar se, por
acaso, o irmão dele não seria proprietário de algum restaurante do outro lado
da rua.
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