Crônica da Semana/ PODIA SER MALUCO, MAS NÃO ERA BESTA!

Um dos tipos populares mais pitorescos, dentre os muitos que marcaram a história de Fortaleza, talvez já não seja lembrado e conhecido pelas novas gerações cearenses e nem as suas frases, seus ditos e versos sejam tão conhecidos e citados, como acontecia noutros tempos. Chamava-se Manoel Cavalcante Rocha e, embora radicado no Ceará, era pernambucano de nascimento.
No entanto, ele não se tornou conhecido pelo seu nome verdadeiro. Por ser pessoa da mais absoluta confiança do Bispo Dom Joaquim, tendo exercido por muito tempo a função de porteiro do Palácio Episcopal, acabou encontrando a celebridade pelo apelido de “Manezinho do Bispo”.
Viveu a parte mais conhecida de sua vida na primeira metade do século passado, tendo falecido em julho de 1923. E adorava cunhar frases e compor versos, a maioria dos quais não tinha pé nem cabeça, embora aqui e ali produzisse alguma coisa razoável, em seus ditos e escritos. Chegou a publicar uma parte de suas máximas e pensamentos, como colaboração ao jornal Correio do Ceará.
O fato é que, pelo inusitado daquilo que disse e escreveu, tornou-se um tipo inesquecível para os cearenses. Embora, por haver se transformado num tipo verdadeiramente folclórico, muitas das maluquices atribuídas a ele, de fato, não saíram de sua lavra.
Como bem apontou o pesquisador Evaldo Lima (em “Os tipos populares do Ceará Moleque”) “Manezinho era um tipo esquisito. Usava um surrado paletó cinzento, bem menor do que seu corpo comportava, deixando amplamente à mostra os punhos brancos da camisa. O cabelo, ensebado e liso era muito branco. Se pretendia escritor e carregava sempre um rolo de papel com seus escritos, poemas, pensamentos e aforismas”.
            Pois foi do “talento” de Manezinho do Bispo que surgiram pérolas como, por exemplo, “O bacharel pobre que casa com uma moça pobre dá um tiro com a pistola do passado nos miolos do futuro”. E um dos seus clássicos, que foi o poema dedicado ao Brasil: “Minha Pátria, Minha Pátria/ Querida terra brasileira, / Por ti dou eu / Uma grande carreira”.
            Consta que Manezinho acordava de madrugada e dedicava o restante de sua noite a escrever poemas e aforismas, que lhe pareciam geniais, mas eram motivo de risos na principal praça da cidade, para onde todos os fortalezenses convergiam naqueles tempos, que é a Praça do Ferreira. Impossível mencionar todos eles, mas não custa citar alguns, para uma melhor compreensão da estrutura psíquica da popular figura:
            “Se o mar fosse insosso seria desengraçado e nós não teríamos o bondoso sal com que temperamos as comidas”.
            “A necessidade corporal é por assim dizer uma doença; já a paciência é um remédio salutar que muito alivia as durezas da pessoa pobre”.
            “Amar sem ser amado é correr atrás de um trem e perder”.
            “O silêncio é mais do que a conversação prolongada, pois deveras tenho pena de quem fala muito sem bom resultado”.
            “Quem tem recurso e não socorre a sua pátria, é como bocório, que anda pelas calçadas comendo banana com rapadura.” (“Bocório” tem, nesse contexto, o sentido de rude ou abrutalhado)
            “Todo homem ou mulher vaidoso ou dosa deve cuidar do asseio interno.”
            “O Céu se divide em duas partes: metade nuvem, metade Além.”
            De todas as maluquices creditadas ao Manezinho do Bispo, no entanto, há uma que me diverte de forma particular: “Estive no Farol do Mucuripe acompanhado por três moças. Chegando lá, meti o dedo na engrenagem e voltei satisfeito.”
            Para mim, esta é a prova provada de que ele podia ser maluco, mas não era nada besta!

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