Crônica da Semana: POR DESACATO À AUTORIDADE!
Wagner Fontenelle Pessôa |
Quem teve a experiência
de lecionar num curso de Direito, provavelmente já passou por isto. O aluno mal
ingressa no primeiro período do Bacharelado e já começam seus vizinhos e
parentes a consultá-lo sobre uma diversidade de problemas jurídicos, como se o
jovem aprendiz, num passe de mágica, fosse convertido num jurisconsulto versado
em todos os ramos da ciência jurídica. De dívida protestada a pensão
alimentícia, passando pelas questões trabalhistas e criminais, sobre tudo pedem
sua opinião.
É aí que, em lugar de explicar que ainda não estudou tais
assuntos — o que seria mais fácil e mais honesto — o acadêmico, envaidecido
pelo sentimento de que já está sendo tratado como um “quase doutor em leis”,
aceita o desafio, para o qual ainda não está aparelhado e vai largar o fardo
nas costas de um professor, que acabou de ministrar duas ou três aulas
seguidas.
Invariavelmente, o pedido de ajuda vem no formato de uma
“dúvida”, que os docentes com menor experiência supõem tratar-se de assunto
referente à disciplina sob sua responsabilidade e aos conteúdos que acabou de
lecionar. Mas, qual o quê?! É sempre sobre uma questão que envolve uma prima,
um amigo ou sobre a herança de sua avó, em cujo inventário um dos tios está
querendo tombar sua mãe e o resto dos herdeiros. O professor ouve a consulta,
muitas vezes, inteiramente fora de sua área de especialidade e sugere alguma
coisa, algum caminho, advertindo que será necessário constituir um advogado
para tomar a providência sugerida.
Se parar por aí, tudo bem. Mas não é incomum que, depois
disso, o consulente pergunte ao consultor: “E
o senhor aceitaria esse caso?”. O mais prudente, diante disso, é declinar
daquilo que pode parecer o oferecimento de um trabalho, mas, via de regra,
traduz-se na solicitação de um favor. E, considerando a independência que
precisa haver nas relações entre professores e alunos, o melhor é não misturar
as coisas.
No entanto, ainda pode piorar. Existem aquelas situações
em que o aluno, pretendendo demonstrar que sabe aquilo que não sabe, pede
diretamente ao docente: “Mas o senhor não
poderia fazer essa petição para mim?”. Convenhamos que isto é o máximo da
cara dura! Mas acontece... De vez em quando, acontece.
Pois eu estava reorganizando uns arquivos no meu
computador, dia desses, quando encontrei uma tosca petição, que fiz, em forma de verso, exatamente para me
livrar de um desses alunos sem noção, que me atalhou a saída da faculdade, já
quase dez e meia da noite, para uma consulta sobre algum desses assuntos. E que
terminou me pedindo que esboçasse um pedido ao juiz, que estava prestes a
nocautear um dos seus parentes, mau pagador e sendo executado por um agiota.
Cansado e impaciente com a falta de cerimônia do
estudante, eu disse que lhe traria o documento no dia seguinte. E, de fato, foi
isso aí o que eu lhe entreguei:
Excelência, magistrado:
Meu cliente, com cuidado,
Suplica sua atenção
E pede sua intervenção.
O autor é um cretino,
Que nos trata sem refino,
Sem refino e sem respeito.
Pois lhe digo, até suspeito
Que zomba da sua Vara.
Pois não vê?! Está na cara
O que quer o desgraçado,
Com esse pleito
"alinhavado",
Que não tem pé, nem cabeça!
Não há autor que, assim, mereça
O valhacouto da toga.
Indefira, pois, essa droga.
E, salvo melhor juízo,
Para ser mais justo e preciso,
Por falta de probidade,
Que meta o safado na grade!
Nas custas, condene o jumento.
E peço deferimento.
O
aluno riu ao ler o texto e estou seguro que, disso, resultaram dois efeitos:
ele entendeu que eu não iria advogar para o seu familiar inadimplente e, de
outra parte, não há de ter juntado esse despautério ao processo. Porque se o
fizesse, quem iria preso era ele! Por desacato à autoridade...
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