Crônica da semana/UMA SIMPLES DEMONSTRAÇÃO DE BAIRRISMO

Nos dias atuais essas demandas não se alongariam tanto. Mas já houve, entre alguns Estados brasileiros, alentadas disputas, causadas pela discordância em relação aos seus limites geográficos, que se arrastaram por décadas. Houve até um episódio, conhecido historicamente como a “Guerra do Contestado”, que foi um grande conflito ocorrido no sul do Brasil (entre 1912 e 1916), envolvendo os camponeses locais e as forças militares, federal e estadual. Mas não é desse problema de “contestado” que me proponho a tratar.
            Já houve disputas pelo traçado das linhas divisórias entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, entre o Ceará e o Piauí, entre Minas e Espírito Santo, além de outras mais. A todas essas áreas, era usual chamarem de “região do contestado”. E a elas é que pretendo me referir.
            O litígio entre o Ceará e o Piauí, por exemplo, começou quando o engenheiro Silva Paulet apresentou um mapa da então província cearense, que mostrava seu limite oeste indo até a foz do rio Igaraçu. E, com esse traçado, a localidade de Amarração — que é a atual cidade piauiense de Luís Correia — faria parte do território do Ceará.
            Meninos, a pendenga foi acirrada entre os conterrâneos do Fagner e os conterrâneos do Frank Aguiar! Até que veio a solução com um Decreto Geral, de 1880, determinando que houvesse uma troca: o Piauí restabeleceria a totalidade do seu litoral e o Ceará incorporaria os municípios de Crateús e Independência. A meu ver, uma troca mais do que vantajosa para os cearenses.
            Agora, complicadas mesmo, foram as desinteligências entre Minas Gerais e Espírito Santo, por uma questão de divisa entre os dois Estados! O problema do “contestado” entre eles, também chamado de “Questão Lindeira” — relativa a “linde”, que significa fronteira ou limite — chegou às vias de fato, com tropas mineiras e capixabas entrando em combate, no qual morreram 60 ou mais pessoas.
            E tudo começou por conta de um laudo do Exército, que assegurava que a divisa entre um e outro Estado passava pela Serra dos Aimorés e se fechava entre Itabirinha de Mantena e Mendes Pimentel. Com isso, várias localidades tidas pelos mineiros como suas, passariam ao território espírito-santense. Pois, instalado o conflito, foi somente em 1963 que ele se acabou, mediante um acordo firmado entre os então governadores de Minas, Magalhães Pinto e o capixaba Francisco Lacerda de Aguiar.
            Porém, como em cada situação tensa há sempre um detalhe de comicidade, esta aí também não fugiu à regra. E consta que, no curso das discussões sobre o que ficaria para um ou outro Estado da Federação, foram dizer a um velho residente, nascido e criado em Mantena — talvez, apenas, para provocá-lo — que, pelos termos desse acordo, pondo fim à questão do “contestado”, provavelmente a cidade passaria a pertencer ao território espírito-santense.
             Ao ouvir a notícia, o velho mineiro ficou bem sério e comentou, com uma expressão de visível desagrado que, se isso acontecesse mesmo, ele teria que se mudar de Mantena, para algum outro lugar.
            Indagado sobre o motivo para uma decisão tão radical, ele explicou, de forma clara e objetiva:
            — É que eu “num se dou” com o clima do Espírito Santo!
            Foi uma simples demonstração de bairrismo, das mais disfarçadas, que alguém já presenciou durante essa demanda entre os dois Estados! Até porque, visitando as praias do litoral capixaba — nas temporadas de verão e durante os feriadões — é fácil comprovar que se há algo que os mineiros apreciam (e muito!) é esse tal clima do Espírito Santo!
 

             

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