Crônica da semana: A CAUSA DO FENÔMENO

Wagner Fontenelle Pessôa                                  
Já faz algumas semanas que abordei, numa crônica, o problema das disputas relativas aos limites entre vários Estados do Brasil, com ênfase para uma famosa demanda envolvendo os mineiros e os capixabas, que ficou conhecida como “a questão do contestado” ou “questão lindeira”. Publicada a matéria, uma amiga comentou que, além daqueles casos citados no texto, envolvendo as unidades da federação, também existem ou existiram arengas entre diversas cidades brasileiras, em quase todos os rincões deste país.  
            Com efeito, essas coisas acontecem mesmo. Na maior parte das vezes, motivadas menos pela questão territorial do que pelo bairrismo, que produz e alimenta essa competição, em busca da prevalência de uma cidade sobre a outra. Isso acontece ou já aconteceu entre capitais, que competem pelo desenvolvimento e significância numa Região (como Manaus e Belém ou Fortaleza e Recife), entre a capital e a segunda cidade de maior importância num Estado (como Natal e Mossoró ou Vitória e Cachoeiro de Itapemirim), mas também entre outros municípios que disputam o prestígio no contexto estadual, como Uberlândia e Uberaba (nas Gerais) ou Crato e Juazeiro do Norte (no Ceará). 
            O referido é verdade e eu, que já andei bastante por esta pátria de trastes e contrastes, pude testemunhar várias dessas pendengas na “Terra Brasilis”, que variam de localização, clima e relevo, mas não variam muito na estratégia e forma pelas quais a população de um lugar tenta depreciar a população do outro. Nesses confrontos, a arma mais utilizada é o deboche e a munição mais frequente é o riso. Embora alguns desses exemplos que menciono, talvez já não sejam tão apropriados para os tempos de agora. Garanto, porém, que se assim já não é mais, assim já foi por muito tempo.
            Recife e Fortaleza, por exemplo, disputaram durante décadas o seu reconhecimento como a “capital mais importante do Nordeste”. Salvador não entrava nessa disputa, porque a Bahia é um Estado quase autônomo do Brasil, por sua cultura própria, seus interesses e valores sociais. E, mais do que isto, porque sob a ótica dos baianos, conforme dizem, “esse negócio de competição dá um trabalho danado”! O que, afinal de contas, não deixa de ser também uma forma de escárnio com eles.
            Quem por acaso conhece o Estado de Pernambuco, sabe que a sua capital, graças ao fato de ser uma cidade cortada pelas águas de dois rios (o Beberibe e o Capibaribe), é chamada com muito orgulho de “Recife, a Veneza brasileira”. Um slogan que os fortalezenses menosprezavam, transformando-o em: “Recífilis, a venérea brasileira”! E os natalenses não faziam por menos, quando se tratava de depreciar Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, que competia ferozmente pelo lugar de município mais importante do Estado. Sem qualquer chance, diga-se de passagem!
            Pois era com objetivo de achincalhar os mossoroenses que a população de Natal contava dezenas de anedotas, para expô-los ao ridículo. Como aquela versão de que, nos finais de ano, as gráficas da cidade imprimiam seus próprios cartões de Boas Festas, onde se lia: “Feliz Mossoró e Próspero Ano Novo”! Porque, é claro, eles não iriam prestigiar a capital dos potiguares, com um cartão que desejasse aos destinatários um “Feliz Natal”. Êta despeito amuado!
            Como essas, ouvi dezenas de outras invencionices, que pontuavam a rivalidade entre cidades de um mesmo estado ou de estados diferentes, dentro da mesma região. Mas há uma delas, cuja sutileza me diverte de modo particular, que ouvi por aqui mesmo, na região do norte fluminense.
            Embora nunca tenha havido, propriamente, uma rivalidade aberta entre Campos dos Goytacazes e São João da Barra — até porque a desproporção entre elas é muito grande para isto — de vez em quando os moradores de uma e de outra cidade trocam deboches e ironias entre si. Talvez pela proximidade, assim como acontece entre o Crato e Juazeiro do Norte, ambas situadas na região do Cariri, lá no Estado do Ceará. Nos dois casos, as populações se divertem lançando farpas e insultos, uma contra a outra, em forma de humor.
            Os sanjoanenses costumam dizer que “um campista, nem a prazo, nem à vista”! Além de outras coisas depreciativas, que não reproduzirei aqui, para não magoar os naturais desta cidade onde vivo, já faz bastante tempo. Mas os filhos de Campos não deixam por menos, dizendo coisas igualmente insultuosas acerca da vizinha São João da Barra. E uma delas é que “a população sanjoanense não cresce há mais de quarenta anos”.
            E no que consiste a ofensa, neste caso? Só descobri quando perguntei sobre a razão para uma estagnação demográfica tão estranha como essa e o gaiato me deu a seguinte resposta:
            — É que, todas as vezes que nasce um menino por lá, foge um rapaz da cidade... Essa é a causa do fenômeno!
            Se não fosse um simples gracejo, o Fórum de São João da Barra haveria de ser o campeão brasileiro em ações judiciais, para o reconhecimento de paternidade e a solicitação de pensões alimentícias. Mas isto, é claro, não acontece. O que se sabe, de verdade, é que os rapazes de lá não acham nenhuma graça dessa piadinha besta.
            Bem entendido, aqueles rapazes que ainda moram na cidade! Porque, dos que fugiram, não há como saber a opinião...


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