Crônica da semana: PERDIDO À BEIRA DO CAMINHO
Wagner Fontenelle Pessôa
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Em
razão do meu trabalho, preciso viajar todas as semanas, indo e voltando, pelos
106 quilômetros que separam a cidade onde moro daquela, que fica já na divisa
com o Espírito Santo. E, na maior parte deles, transito por um trecho da BR
356, que liga Belo Horizonte a São João da Barra, no litoral do Estado do Rio
de Janeiro. Uma rodovia que, aliás, disputa com a BR 262 a primazia de ser o
maior corredor de exportação e importação de mineiros, desesperados em busca de
um banho de mar e ansiosos por uns dias, transformando a pele branca em
vermelha, nas praias fluminenses ou capixabas.
Mas,
ao fazer este percurso, é preciso passar, obrigatoriamente, por duas outras
cidades, que são atravessadas por essa rodovia: Cardoso Moreira e Italva,
separadas, uma da outra, por nada mais do que 13 quilômetros. Chamar Italva de cidade, no entanto, talvez
seja pouco adequado. Porque ao passar por ela, a sensação que se tem é a de
estar participando de uma corrida com obstáculos. O absurdo dos absurdos, de
tudo quanto se pode conceber em matéria de soluções simplórias para os
problemas do trânsito urbano!
Em 4.300 metros da BR 356, pelos
quais se vai da entrada à saída da sede do município, os viajantes são
obrigados a ultrapassar nada menos do que 15 quebra-molas, 2 pardais
eletrônicos e 4 redutores de velocidade. Ruim para quem conhece o lugar e pior ainda
para quem não o conhece. Porque esse trecho é pessimamente conservado e, ao
contrário do que seria obrigatório, esses obstáculos não são destacados na
pista com aquela pintura amarela, para que possam ser percebidos, com razoável
distância, pelos motoristas que transitam por ali.
Portanto, não é incomum que o carro
leve aquele tranco desagradabilíssimo, ao se passar sobre eles no “períneo”
urbano italvense. E digo “períneo” porque, se aquilo lá não é “oco do mundo”
(como se diz) estou convencido de que está bem próximo dele. Pois sendo assim,
três coisas poderão se estragar nessa passagem por Italva: a suspensão, os amortecedores do veículo e, igualmente, os
nervos do condutor incauto.
Enquanto
isso — de porte equivalente, embora um pouco menos populosa — a já mencionada
cidade de Cardoso Moreira, é mais
modesta como pista de obstáculos. Não é, portanto, pelo excessivo número de
quebra-molas ou pardais eletrônicos que o município cardosense me desperta o
interesse, quando passo pela cidade, em busca do meu destino.
É
por uma placa com que me deparo, diante de uma casa pequena, à margem da
estrada, quase sem acostamento naquele pedaço. E o que chama a minha atenção para
essa placa, tosca e feita com uma folha de flandres ou compensado, é aquilo que
ela anuncia para os transeuntes: “Aula
particular de Português, Matemática, Física, Química, Geografia e História.
Orientação para o ensino fundamental e médio. Preparo para concurso e dou aula
de Muay Thai”.
Acho o cardápio oferecido e ali
anunciado tão amplo e tão desconchavado, que já tive ímpetos de interromper a
minha viagem, estacionando o carro, para bater palmas à porta daquela casinha e
dizer a quem me atenda, só para ver o que aconteceria:
— Estou precisando tirar umas
dúvidas em Matemática, ter umas aulas de redação e de me preparar para um
concurso público!
Mas essa ideia tola fica só na
vontade, graças ao tempo da viagem, que é pouco. E pelo receio de que me ponham
para correr de lá, a golpes de Muay Thai.
Mesmo assim, o que ainda me encafifa, é não compreender o que um gênio desses —
de tantos e tão variados saberes — faz perdido à beira do caminho, naquela casa
pequena em Cardoso Moreira, que observo
curioso, a caminho de Bom Jesus do
Itabapoana...
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