Crônica da semana-TÃO METICULOSO QUANTO AZARADO!
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Wagner Fontenelle Pessôa
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Getúlio
Vargas era um “germanófilo”. Isto é, um simpatizante dos alemães e de seu
líder, Adolf Hitler, ainda que nunca tenha assumido isto formalmente. Também
pudera! Vargas contava com o apoio de uma das tendências mais radicais de
direita, que a História do Brasil já registrou: o Partido Integralista, que,
mal comparando, seria uma espécie de partido nazista tupiniquim. E foi com o
apoio desse partido que ele chegou ao poder e manteve a ditadura do Estado Novo,
de 1937 a 1945, quando foi deposto pelos militares, que retornavam da Itália e
do palco de operações da 2ª Guerra Mundial.
Isto pode parecer estranho, se
considerarmos que em 1943 meteu-se o Brasil na 2ª Grande Guerra, ao lado dos
aliados, justamente, contra o chamado “Eixo”, formado pela Alemanha, Itália e
Japão. Mas deixa de parecer estranho, quando sabemos que, para tal coisa
acontecer, foi necessária muita pressão diplomática dos Estados Unidos, além da
promessa de um significativo financiamento norte-americano, com o qual o
governo de Vargas acabou realizando uma de suas obras mais marcantes: a Companhia
Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, que abriu o caminho para uma série de
outras etapas do desenvolvimento da siderurgia no Brasil.
Mas não foi apenas por essa razão,
como garantem os historiadores. Foi, também, porque a Alemanha andou afundando vários
navios brasileiros, além de outros, que navegavam em nossas águas territoriais,
com o propósito de cortar as “linhas de suprimento” para as Forças Aliadas. E isso
contribuiu decisivamente para que o governo Vargas recebesse o apoio popular,
politicamente necessário, para fazer uma declaração de guerra aos países do “Eixo”.
Sendo estas as razões que levaram a Força Expedicionária Brasileira (ou FEB) e o
1º Grupo de Aviação de Caça (que viria a se transformar na FAB) a ingressarem
no teatro de operações da 2ª Grande Guerra.
Enquanto isso, no palco brasileiro e
para consumo do público interno, o conflito era de outra natureza: começaram a ocorrer
manifestações contra imigrantes ou membros das colônias italianas, japonesas e
alemãs — o que equivale a dizer, originários dos países que passamos a
considerar como inimigos durante essa guerra — a maioria dos quais já se
encontrava residindo no Brasil e integrada à nossa sociedade, há várias
gerações. Uma completa estupidez, motivada pelo entendimento distorcido da
conjuntura de então e pelo oportunismo daquele tipo de gente que só precisa de
uma chance, para demonstrar a sua natureza desonesta.
O fato é que começaram a acontecer,
em nosso país, episódios de hostilização gratuita contra imigrantes e seus
descendentes, originários da Alemanha, Itália e Japão. Algumas vezes, fazia
parte disso o saque de seus estabelecimentos comerciais, já que muitos deles se
dedicavam à mercancia. Os assaltos eram cometidos na esteira dessas
manifestações sem propósito. E foi aí que se deu uma situação pitoresca enquanto
populares saqueavam a sapataria de uns italianos, em Fortaleza, capital do
Ceará.
Algumas pessoas se aglomeraram na
porta do estabelecimento gritando impropérios contra os donos do comércio, como
se ali estivesse escondido o próprio Mussolini. Aos gritos de “carcamano safado!” e outras ofensas do
gênero, a turba passou das palavras à ação e acabou invadindo a loja, onde a
pilhagem das mercadorias teve início.
Durante o assalto, as pessoas
arrancavam as caixas de sapatos das prateleiras, sem sequer abri-las, para ver
a cor ou o modelo que continham. Subtraíam a mercadoria de braçadas, com
rapidez e urgência, em que mais valia a quantidade do que a preferência. E foi
assim que o estoque da sapataria se esvaiu nos braços dos assaltantes.
No entanto, um sujeito que caminhava
em direção ao seu trabalho, ao passar por aquele trecho da rua, justamente no momento
da balbúrdia, viu a cena e — percebendo que a farra era geral e a promoção do
dia era “tudo a preço zero” — resolveu que também poderia colher algum proveito
da oportunidade, trocando o seu velho sapato por um novinho em folha. Entrou,
foi até uma das prateleiras onde ficavam os calçados masculinos que ainda não
haviam sido levados e de lá retirou um par, sentando-se para experimentá-lo.
Verificando
que o número não lhe servia, levantou-se para ir buscar outro par. Foi quando a
invasão da loja tomou proporções incontroláveis e ele já não encontrou nada nas
prateleiras. Desistindo de arranjar um “pisante” novo, retornou para calçar o
seu velho sapato mesmo. E aí percebeu que algum dos saqueadores o havia levado
também.
O socorro da polícia custou a chegar.
E quando finalmente chegou, não havia mais nada para salvar e os salteadores
também não ficaram para contar a história. A loja dos italianos estava saqueada
e depredada! Lá dentro, quem se via era só aquele tipo atarantado, calçando
apenas suas meias e sem saber como iria trabalhar daquele jeito.
Por
estranha que fosse a sua situação e por via das dúvidas, os policiais
resolveram leva-lo até a Delegacia, para que se explicasse com a autoridade.
Aquilo, sim, é que era um sujeito
tão meticuloso quanto azarado!
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