Crônica da semana- TEM JEITO NÃO!
Se há um assunto que
sempre despertou o meu interesse, este é a razão de ser do nome de alguns bairros,
distritos ou cidades. E, caminhando por esse terreno, é possível descobrir as motivações
mais diversas, que levaram certos lugares a serem chamados como são ou para que
tenham adquirido aqueles designativos de maneira oficial. Uns que parecem
estranhos e outros, apenas pitorescos ou verdadeiramente engraçados.
Ao tempo da descoberta deste país pelos portugueses —
porque os indígenas já haviam descoberto o Brasil muito antes deles — os
acidentes geográficos e os primeiros povoados foram batizados pelo nome do
santo ou pelo que fosse comemorado no dia, segundo o calendário de eventos da
Igreja Católica Romana: Cabo de São Roque, Vila de São Paulo, Bahia de Todos os
Santos, Monte Pascoal e, assim, sucessivamente.
Mas
nem mesmo essa preocupação em cristianizar o Novo Mundo impediu que determinados
sítios ou vilas adotassem designativos de origem indígena e com eles
permanecessem para sempre. Como Apiacá
(ES), Campos dos Goytacazes (RJ) e Nhamundá (AM), numa referência às tribos
que habitavam a área em que se estabeleceram tais cidades. Além de outros
nomes, que são oriundos do Tupi-Guarani
ou do Nheengatu, embora não digam
respeito às tribos, mas a termos e expressões retirados do idioma indígena. Os
estudiosos do assunto acreditam que Marataízes
(ES), por exemplo, tem sua origem no significado “água que corre para o mar”, graças à grande quantidade de lagoas
existente naquela área, cujas águas escoam para o oceano.
Até aí, nada de excepcional. As situações mais pitorescas
estão, exatamente, naqueles nomes de cidades ou logradouros que provêm de
outras origens, de fatos acontecidos ou relacionados com o seu passado. Porque
é nesse ponto que, ocasionalmente, a história se confunde com a lenda e, por
vezes, a explicação para esta ou aquela designação apresenta duas ou mais
versões. É o caso do município fluminense de Varre-Sai, terra natal do virtuosíssimo músico e compositor Baden
Powell. Ou do bairro carioca chamado Cascadura,
que alguns historiadores explicam como sendo uma derivação de “Casca d´Ouro” e
outros, como sendo uma referência à pedreira que os operários tiveram que
remover a picaretas, para levarem a estrada de ferro até aquele local.
Outro bairro do Rio de Janeiro, o Realengo, dizem que tem esse nome porque
ali ficava o “Real Engenho” — ou Real Engº — como abreviado na sinalização da
época. Mais singular, ainda, é a explicação dada para a designação de outro
conhecido bairro da mesma capital, chamado Piedade.
Um bairro que, aliás, guarda um triste registro, por ter sido o palco de uma
tragédia passional, ocorrida em 1909, quando o escritor Euclides da Cunha (autor de “Os Sertões”) foi assassinado pelo amante
de sua mulher, um militar chamado Dilermando
de Assis.
Em relação ao bairro de Piedade, no
entanto, o fato jocoso é que, antes, ele se chamava Gambá. Com a chegada da via férrea até lá, o lugar ficou conhecido
como Estação Gambá ou Parada Gambá, o que muito desagradava aos
moradores do local, motivando uma das suas residentes a escrever uma carta ao
diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, com uma súplica modesta, em que
pedia fosse dado outro nome à estação: “Por
piedade, doutor, troque o nome da nossa estaçãozinha”. E a resposta veio
logo: “Minha senhora, será feito. O nome
do bairro será Piedade”!
Por coincidência ou inspiração,
enquanto eu preparava estas notas, uma amiga querida me fala de um livro que
andava relendo — “O pulo do gato”, do
escritor Márcio Cotrim — que resultou de uma pesquisa do autor, acerca de nomes
e expressões que utilizamos com frequência, muitas vezes, sem saber de onde elas
se originaram. E conta aos leitores sobre o nome da cidade de Guaçuí (ES), de
uma forma realmente divertida, que tentarei reproduzir:
Na
região serrana do Espírito Santo viviam animais silvestres. Ali ficava o
município de Alegre e, vizinha a ele, a cidade de Veado, cujo nome lembrava a
existência desses bichos na região. A energia elétrica, aliás, chegou à região
trazida pela Companhia de Eletricidade Alegre Veado.
A cidade cresceu, e com ela o
constrangimento de seus habitantes, por motivos óbvios. O prefeito, então,
pediu ao IBGE que mudasse o nome do município. Ele passou a se chamar Siqueira
Campos, homenagem ao líder tenentista no movimento conhecido como “Os 18 do
Forte”, ocorrido em Copacabana, Rio de Janeiro, no ano de 1922.
Porém, como naquele tempo ainda não
havia o CEP, as pessoas passaram a endereçar as cartas para “Siqueira Campos, ex-veado”, o que,
positivamente, não era nada elogioso para a memória de um militar tão viril. E
isso fez com que a sua família, indignada, exigisse nova mudança de nome para o
município, sendo o mesmo rebatizado como Guaçuí, que o identifica desde então.
Um nome que, apesar da mudança, em bom idioma tupi significa “veado grande”.
Tem jeito não! A não ser que a
cidade houvesse sido “plantada” noutra região do Estado capixaba, em que a
fauna predominante fosse diferente daquela, tudo leva a crer que a cidade de
Guaçuí não tem escapatória para resolver essa delicada questão! E vejam que eu
nem contei, ainda, que o município também é cortado pelo rio Veado!
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