Crônica da semana - COM QUEM SERÁ?
Wagner Fontenelle Pessôa
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As
festas de aniversário são um evento social como outro qualquer e não tenho, por
princípio, nada contra elas. Ressalto, porém, que as festas de aniversário de
crianças, por motivos evidentes, costumam ser menos prazerosas para os adultos.
Sobretudo, para os adultos que, como eu, já passaram da fase de acompanhar os
próprios filhos a essas comemorações. Mas, como naquela arcaica expressão
francesa, “noblesse oblige” (algo que corresponde a dizer que a elegância
obriga). E assim, de vez em quando, temos que cumprir o nosso dever de
distinção, em meio à correria e gritaria dos infantes, além dos doces
pisoteados, balões estourando para assustar os mais velhos e alguns episódios
de choro.
“No tempo da minha infantilidade” —
como dizia um semianalfabeto ex-presidente do Corinthians, que se notabilizou
por produzir essas pérolas — tais comemorações eram mais simplificadas, na
esmagadora maioria dos casos. As festas não eram organizadas por tema, nem
havia decoração especial do ambiente para elas ou grupos de animação para
ocupar as crianças. Os pais é que cuidassem de seus próprios filhos. Havia
salgadinhos, docinhos e o bolo, que era fatiado e distribuído aos presentes,
após o indefectível “Parabéns prá você”. E assim, se completava o ritual.
Mas deve ter sido por inspiração do
“Maligno” que, em algum momento, inventaram de adicionar, ao canto do “Parabéns
prá você”, o raio de um “Com quem será?”, que diverte as mães e as meninas, mas
não aos homens. E esse negócio se alastrou de tal jeito, que acabou se
instalando, também, nas comemorações de aniversário dos adultos. Provavelmente
por iniciativa das mulheres e, muitas vezes, com absoluta impropriedade.
Já
presenciei uma situação dessas, por exemplo, quando alguém puxou esse refrão na
cantoria, para um aniversariante que, sem aviso prévio, havia acabado de ganhar
um par de chifres e perder a mulher, depois de uns dez ou doze anos de
casamento! Quando as pessoas se deram pelo ridículo da situação, o
constrangimento foi geral. Coisa triste de se ver foi a expressão do “maior
abandonado”! E, de outra feita, a ideia de “engatar” um canto no outro foi mais
do que constrangedora: foi verdadeiramente agoniante! Pelo menos, para mim.
Conheço um cidadão que, após uns
quatro ou cinco AVCs não desfruta de boa saúde, enfrentando dificuldades
motoras e relativas à fala. Nos seus melhores tempos era músico e disso
sobrevivia, sendo tecladista e possuidor de grande sensibilidade musical. Mas
desde o primeiro acidente vascular cerebral foi perdendo a capacidade motora,
apresentando problemas com a fala e as demais limitações que ocorrem em quadros
assim. Apesar disso, todos os anos a sua família — apenas o seu núcleo familiar
mais próximo — se reúne em torno dele, por ocasião de seu aniversário, para uma
pequena comemoração.
Geralmente ele se emociona muito
nessas ocasiões. Se isto lhe é benéfico ou não, só um médico poderia dizer.
Também não estou muito certo do motivo pelo qual, além de sua família, sou o
único convidado para as festas de aniversário dele. Sempre tivemos relações
muito afáveis, sobretudo porque, já faz bastante tempo, fui professor de seus
filhos. Mas acho singular que ele, pessoalmente, me faça o convite e insista
tanto para que eu não deixe de comparecer ao evento. E eu não falto, por evidente!
Pois ele já havia tido o primeiro
AVC, quando compareci a uma dessas reuniões. E, ao chegar, cumprimentei as
pessoas e fui dar um abraço nele, que tentou me servir alguma coisa, mas
percebi que parecia estar sentindo muita dificuldade para isso. Chamei a
atenção de um filho e da irmã do aniversariante para o fato, acrescentando,
como sugestão, que deveriam leva-lo a algum lugar para medir a pressão. E ainda
ouvi da mulher do aniversariante que ele parecia não estar bem mesmo,
acrescentando que “devia ser a emoção”. Mas que o levariam a um hospital, assim
que terminasse o convescote. Por isto, algum tempo depois, ensaiei uma retirada
para facilitar as coisas, já que era eu o único convidado de fora da família.
Insistiram, porém, que eu esperasse
pelo bolo e fui ficando, até que decidiram ser a hora para isto. Um dos filhos
me entregou uma máquina fotográfica, com o pedido de que eu registrasse o
evento. Assim, todos se posicionaram de um lado da mesa, enquanto eu fiquei do
outro e um pouco mais afastado, para fazer as fotos. E diante das velas acesas,
atacaram o “Parabéns prá você”, com a força dos pulmões.
Foi aí — enquanto eu disparava os
flashes em sequência — que comecei a perceber, através das lentes da câmera,
que o aniversariante tinha umas contrações no rosto e me dei conta de que ele
estava tendo algum problema. Com a cabeça, fiz repetidos sinais para a mulher e
os filhos, tentando que olhassem para ele. Mas ninguém prestava atenção a mim:
todos sorriam para as fotos ou talvez imaginassem que quem estava com algum
problema era eu!
Aquilo
me pareceu uma eternidade, de tal sorte que me senti aliviado, quando foram
chegando aos “muitos anos de vida”.
Só que, animadíssima e para a minha agonia renovada, a filha do homem tascou um
“com quem será” na pessoa! E todos
fizeram coro com ela. Quase que eu me levantei de onde estava e fui lá soprar
as velas, para pôr fim àquela cantoria. Porque, nessa hora, o aniversariante
parecia um peixe linguado: com a cara toda virada para um lado só e a boca
quase chegando à orelha!
Pensem numa aflição! Eu acabei
dizendo para eles que levassem o pai imediatamente a um hospital, porque,
visivelmente, ele estava tendo um algum problema! Eles disseram que sim, que o
levariam logo depois de servir o bolo aos convidados, como manda o figurino. O
resultado é que, de fato, o aniversariante havia tido um segundo AVC, que
resultou em quase dez dias de internação numa UTI.
Desse modo, confirmei as minhas
suspeitas de que essa impertinente indagação — a do “com quem será?” — além de
ser constrangedora para uns, pode implicar em risco de morte para outros!
Embora as mulheres e meninas adorem perguntar essa besteira!
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