Crônica da semana - UMA ENORME BESTEIRA!
Waagner Fontenelle Pessôa |
Tem gente que age por impulso e se arrepende, logo em seguida. Isto
acontece, por exemplo, naquelas quermesses de igreja, de bairro ou de interior,
em que, na hora da animação — com muito “quentão” ou cerveja na cabeça e
querendo se exibir para o vigário e para os demais paroquianos — o sujeito
arremata um porco vivo, pelo triplo do valor que ele tem. E, depois,
arrependido, briga com a mulher, fica indignado consigo mesmo e não sabe como
acomodar o suíno, já que não tem um único palmo de terra sobrando em casa, onde
possa improvisar um chiqueiro.
Aliás, não é para falar mal não, mas se existe um bichinho bom,
para fazer um abestalhado “pagar um mico” desses, é padre de interior! Sabe
como é? Nas vésperas do evento vai fazer uma visitinha à família, à qual muito
“honra”, sentando-se com ela, à mesa de um almoço ou jantar. Aí, lá pela
sobremesa ou tomando o cafezinho, sai com aquela conversinha disfarçada:
— “Seo” Agenor, a nossa paróquia lhe deve muito e à dona
Terezinha, também. Olhe, eu nem sei o que seria da nossa festa neste ano, se
ela não tivesse nos ajudado tanto nos preparativos...
Dona Terezinha faz aquela expressão de falsa modéstia, sentindo-se
a um passo da beatificação, antes de rebater, como quem sugere o recebimento de
alguma indulgência em troca:
— Por favor, Padre Helvécio... Não fiz mais do que a minha
obrigação de cristã... E depois, Nossa Senhora da Paz merece, não é mesmo?
—
Isso lá é verdade! – concorda o padre. Que ela merece, merece!
E o pároco arremata, sem maiores delongas, a adulação das preliminares, para entrar logo no assunto, que é o verdadeiro objeto da sua visita.
E o pároco arremata, sem maiores delongas, a adulação das preliminares, para entrar logo no assunto, que é o verdadeiro objeto da sua visita.
— Mas, “seo” Agenor, a maravilhosa Nossa Senhora da Paz, que já
deve tanto a esta família, ainda carece um pouco mais de sua ajuda. E confio em
poucos, como no senhor, para pedir mais este adjutório...
Envaidecido pelo prestígio
que acredita desfrutar junto ao pároco, o anfitrião estufa o peito e se
compromete:
— Pois diga lá, senhor Vigário. E se estiver nas minhas posses,
considere como feito, desde já!
É tudo quanto o padre queria
ouvir. Então, ele avia o seu pedido:
— É o seguinte. Vamos ter,
lá pelo meio da festa, um leilão, como o senhor bem sabe. Conseguimos muitas
doações, mas existem algumas prendas de maior valor e me preocupa que não
ocorram muitos lances, à altura delas. Então, o que precisamos é que alguém
como o senhor, puxe a competição para cima. Quando sentir que o preço vai sair
muito baixo, aumente o lance, para valorizar o bem que está sendo leiloado. Só
para estimular os demais, entende?
O orgulhoso paroquiano entendeu e, durante a
quermesse, para mostrar serviço ao vigário, que lhe confiara tão honrosa
tarefa, passou a dar lances em todas as prendas oferecidas pelo pregoeiro do
leilão. De cestinha de costura a uma caixa de sabonete Gessy Lever, oferecida
pelo dono da farmácia. Foi assim que acabou levando para casa um leitão para
casa, depois de dobrar seu próprio lance, sem perceber que estava gritando suas
ofertas sem nenhuma concorrência no artigo.
Em tempos idos, conheci “seo” Fernando, um homem bom, comerciante bem
estabelecido, que desfrutava de um bom padrão de vida. Casado com uma mulher meio
“perua”, residiam num bairro de classe média alta, onde frequentavam uma
igreja, a duas quadras de sua casa, sendo seus assíduos colaboradores.
O padre Marsílio,
um desses pidões contumazes de paróquia de bairro, de quando em vez inventava
um motivo para fazer um saque nos bacanas que se agrupavam em torno do seu
altar e em busca de suas bênçãos. Pois foi numa dessas que o cura convocou
os paroquianos e colaboradores habituais e expôs o problema.
Eufrásio,
um candidato a seminarista, dotado de forte vocação e que sonhava servir à fé
católica, estava a ponto de desistir de tudo, porque a sua família não tinha a
mínima condição de arcar com as despesas de sua manutenção no Seminário. E o
padre arrematou: “Com um pouco de esforço
e boa vontade, podemos salvar a vocação de Eufrásio, para que ele a dedique ao
trabalho de evangelização, a serviço de Deus e da Igreja”.
Foi
quando começaram as ofertas de ajuda: “Eu
ajudarei com a roupa de cama para Eufrásio”, manifestou-se o primeiro. “E eu darei a roupa de banho”, compromeu-se
outro. “Pois eu ajudarei com uma quantia
em dinheiro, para que ele possa comprar seus livros e cadernos”, disse mais
um. “Então, eu doarei duas batinas a
Eufrásio”...
Provocado em seus brios e
embalado pelo entusiasmo do momento, “seo” Fernando calou as demais ofertas,
ficando de pé e dizendo bem alto:
— Pois eu me
comprometo a contribuir com um salário mínimo por mês para Eufrásio, até a
ordenação dele!
Foi aplaudido entusiasticamente por todos, inclusive pelo padre
Marsílio e pelo futuro padre Eufrásio. Mas quando se sentou foi logo
perguntando baixinho à mulher:
—
Minha filha, quantos anos, mais ou menos, dura um curso desses?
— Sei lá... Acho que uns
dez ou doze anos, mais ou menos...
Foi
quando o ofertante caiu em si e disse baixinho, olhando para a mulher com a
fisionomia transtornada:
— Que besteira, que eu
fiz!
De fato, fora uma enorme besteira. Pois, a
partir daquele dia, ele e sua família passaram a rezar para que Deus iluminasse
Eufrásio, fazendo-o descobrir que não tinha a menor vocação para a vida
clerical. E desistisse de continuar no Seminário.
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