Crônica da Semana - FOI ASSIM QUE O RABINO ME LIVROU
Suponho
que seria oportuno declarar, inicialmente, que não tenho nenhuma espécie de
preconceito contra qualquer raça: afrodescendentes, asiáticos, árabes ou judeus.
Tenho amigos de todas elas e suas origens étnicas não fazem a menor diferença
no modo como nos relacionamos. E me apresso em declarar isso, porque o tema que
pretendo abordar hoje envolve um judeu, meu vizinho durante vários anos, que
foi um dos tipos mais aborrecidos, impertinentes e exasperantes com quem já
convivi naquele condomínio. Não porque fosse um israelita, mas porque se
tratava, no melhor sentido do termo, de uma verdadeira “mala sem alça”!
Prá começo de conversa, o Seu Zé Libni era um desses tipos que vivia
se gabando das coisas dele e de sua família, sempre querendo dar a impressão de
que tudo quanto vinha da parte dos seus era melhor e mais valoroso do que
qualquer coisa que viesse de família alheia. Segundo sua gabolice os filhos mais
velhos (de seu primeiro casamento) tinham quatro ou cinco mestrados e uns dois
ou três doutorados, cada um, além de serem pessoas de máximo sucesso,
profissional e financeiro.
Eu
sempre soube que aquilo não passava de um devaneio do velho judeu, principalmente
quando ele dizia que esses mesmos filhos — ricos e bem sucedidos — insistiam
demais para que fosse morar junto a eles, na cidade do Rio de Janeiro. Pois,
por todo o tempo em que residimos no mesmo condomínio, nunca soube que tivessem
vindo visita-lo alguma vez. Era casado, em segundas núpcias, com uma senhora
bem mais jovem e tão educada, quanto discreta, tendo com ela um filho
adolescente. E sempre desconfiei que a pobre criatura devesse ter uma
“paciência de Job”, para tolerar a chatice e a gabolice do marido.
Mas
não era esta a principal questão. É que ele, aposentado e ocioso, ocupava o
tempo a atormentar a vida dos síndicos e dos empregados do condomínio.
Reclamava de tudo e em tudo punha defeito, por melhor que estivesse andando a
administração do prédio. Numa gestão anterior, um síndico havia tido a infeliz
ideia de conectar as câmeras de segurança do edifício com o cabo da parabólica
coletiva. Criou, assim, o canal da bisbilhotice, pelo qual cada condômino
poderia ter acesso ao que mostrassem as câmeras de segurança.
Não prestou! O velho Zé Libni passava a noite a vigiar os
porteiros. E bastava um deles levantar-se para esticar as pernas (às duas, três
ou quatro horas da madrugada), que ele interfonava para a portaria, pedindo
explicações sobre o motivo pelo qual o sonolento empregado não estava em seu
lugar. Certa vez, numa dessas sempre maçantes reuniões de condomínio, em
socorro desses porteiros que ele atormentava, tive uma alentada discussão com o
velho judeu, por causa disso. Terminei perguntando se ele, naquela idade,
também não sentia a necessidade de urinar durante a noite. E concluí dizendo: “Tenha paciência, homem, que porteiro também
faz xixi!”. Ouviu-se uma gargalhada na assembleia, que ele não gostou.
As coisas iam nesse ritmo, quando se
deu o episódio daquele rabino, que foi apanhado furtando umas gravatas numa
loja de Miami. O cara era considerado uma referência do Judaísmo no Brasil e
admirado por outros líderes religiosos e nos altos escalões da república. Mas
foi, para a derrocada do seu prestígio nacional e até internacional, apanhado
“encaçapando” na sua pasta uma meia dúzia de gravatas nos Estados Unidos.
Tentaram amenizar o acontecimento, com uma história de que estava tomando uns
comprimidos para depressão, que estaria com graves problemas emocionais e
outras coisas do gênero. De toda forma, isso embaraçou a Sociedade Israelita
Brasileira, a Hebraica e as sinagogas. Sobretudo, as de São Paulo.
Foi quando Seu Zé Libni veio me torrar a paciência, a propósito de qualquer
chatice, daquelas que lhe eram peculiares. Aí, para desestruturar a conversa,
eu mandei prá cima dele uma provocação “arrumada”:
— E aquele rabino, que foi apanhado
“afanando” umas gravatas em Miami, já se explicou com a justiça
norte-americana?
Foi como se eu tivesse dado um
choque de 220 volts no velho. O judeu só faltou ter um filho, no pátio do
prédio, onde se deu o encontro:
— Isso é uma infâmia! O homem está
doente, com problemas de depressão! Porque ele tem dinheiro para comprar um
caminhão de gravatas, se quiser! Basta ele abrir a boca, que o governo
israelense lhe manda, de presente, umas cem gravatas daquelas!
Respondi, tentando conter o riso,
até porque era esse o meu propósito:
— Acredito... Mas que levou as
gravatas na “mão grande”, ele levou! E eu sempre soube que a depressão faz a
pessoa querer morrer; não faz querer furtar, não!
Foi o fim da nossa conversa. Ele me
virou as costas e saiu pisando duro. E, depois desse dia, Seu Zé Libni nunca mais me atalhou o passo
para reclamar do condomínio ou apontar os erros da administração. Passou a me
cumprimentar secamente, até que se foi.
Não
para o Céu, estou seguro! Porque, sendo judeu, ele não acreditava nesse negócio
de Céu e Inferno. Mas digo de coração que, verdadeiramente, jamais formulei
nenhum juízo de valor acerca do episódio. Inclusive, porque me considero
devedor do escamoteador das gravatas. Afinal de contas, foi assim que o rabino
me livrou daquele “chato de galocha”, que era o meu vizinho.
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