Crônica da Semana - O TAMANHO DA TRAULITADA

Morar numa casa pode oferecer algumas vantagens sobre a moradia em um prédio de apartamentos. Como, por exemplo, ter mais espaço nas áreas externas, ter a exclusividade na utilização desses espaços adjacentes e ter a certeza de que nenhum vizinho ruidoso ficará tão próximo — por cima, por baixo ou ao lado — que possa perturbar a sua tranquilidade e seus momentos de descanso. Exceto, é claro, se você residir numa vila de casas que encostem parede com parede. Porque, aí, nós já estaríamos entrando na configuração de uma “muvuca”!

            Mesmo assim, em “condições normais de temperatura e pressão”, como gostava de dizer um antigo colega do chamado curso secundário (e que falava de um jeito estranhíssimo), eu continuo a optar pela moradia em apartamento, apesar de saber que essa espécie de habitação verticalizada impõe algumas limitações e inconveniências. E morando num apartamento ou até quando me hospedo num hotel, sempre preferi, por motivos diversos, os andares mais altos. Porque, se é para viver empilhado, eu prefiro estar na parte de cima da pilha.

            Reconheço, porém, que a maior parte dos condomínios acaba sendo uma espécie de “vila vertical”, porque é absolutamente impossível que neles não se encontrem as fofoqueiras de sempre e os maledicentes de plantão. Pois mesmo que se mantenha com os vizinhos um relacionamento de cordialidade à distância — o que é o mais recomendável — é impossível livrar-se de que alguém esteja especulando sobre a sua vida e querendo saber a seu respeito. Um exercício que umas pessoas fazem de maneira mais discreta; e outras, de forma indisfarçada.

            Isto é algo que logo pude confirmar quando me mudei, há mais de vinte anos, para um edifício no qual ainda resido, ao participar da primeira reunião do condomínio, ocorrida pouco tempo depois da minha chegada. Como eu não conhecia ninguém, dei um boa noite geral e me sentei numa cadeira que estava desocupada, bem ao lado de uma coroa que, de maneira impertinente, logo me pôs “sob confissão”:

            — O senhor mora aqui há muito tempo?

            Respondi que não; que havia me mudado há pouco mais de uma quinzena para o prédio. E ela voltou a perguntar, em seu propósito especulativo:

            — É proprietário ou inquilino?

            Armado da necessária paciência, eu lhe respondi que era proprietário. Mas ela não se deu por satisfeita:

            — E em que andar fica o seu apartamento?

            Por um instante cheguei a pensar que aquilo fosse alguma “má intenção” no rumo da minha honorável pessoa. Mas depois, examinando melhor o campo de batalha, percebi que ali não haveria espaço para mais nenhum combate. Concluí que se tratava de pura bisbilhotice e, sendo assim, eu tornei a responder:

            — Fica no 12º andar...

            Foi quando ela fez um comentário que não deveria ter feito, pela inconveniência e pela desnecessidade de lembrar-me daquilo:

            — Nossa, mas é alto demais! O meu é no 2º andar e eu já acho que é muito alto... Imagine se houvesse um incêndio, como é que o senhor iria sair do prédio?

            Olhei para ela, sem entender se fora uma brincadeira de mau gosto ou uma generosa preocupação com a minha saúde e bem estar. Para logo concluir que não se tratava de uma coisa ou de outra. Era a sua simples incapacidade de manter a boca fechada ou de pensar, antes de falar. E aí eu respondi:

            — De fato, seria complicado para mim... Mas se, em vez do incêndio houver um desmoronamento do prédio, eu vou cair bem em cima de você, não vou?

            Falei aquilo em tom de pilhéria, mas ela preferiu guardar “um silêncio piedoso”, a partir daquele momento. E eu nada mais disse, nem me foi perguntado. Embora haja percebido que, durante o restante da reunião, ela me olhava de vez em quando, “pelo rabo do olho” e de um jeito meio esquisito.

            Talvez estivesse pensando que eu era doido. Ou poderia estar preocupada com a possibilidade de que viesse mesmo a desabar sobre ela. Algo que, com toda certeza, nunca antes ocupara suas cogitações, quanto a algum eventual sinistro no prédio.

            Finalmente, considerei a hipótese de que estivesse, apenas, avaliando o meu peso, para aquilatar o tamanho da traulitada que iria sobrar para ela!