Crônica da semana - ENTÃO ACEITE MEUS PÊSAMES...
Wagner Fontenelle Pessôa |
Em
certa ocasião, tentando defender a aprovação de sua famigerada proposta para a reforma
da previdência, o presidente Temer fez uma declaração desassisada, que ficou a
meio caminho entre o exagero e o escárnio: “... Daqui a pouco, (o brasileiro) viverá
140 anos... Então é preciso fazer reformulações no sistema previdenciário!”.
Com efeito, a duração média da vida dos
brasileiros, como a de outras pessoas na maior parte do mundo, tem se elevado
com o passar do tempo. É compreensível e se explica. A ciência médica evoluiu e
a descoberta de novas terapias para o tratamento de doenças igualmente se
expandiu, ao mesmo tempo em que as condições de sobrevivência se transformaram
para a humanidade, de maneira geral.
É claro que também surgiram doenças
novas ou novas variantes de velhas doenças e que as causas de mortalidade, em
todas as faixas etárias, cobram dos homens de ciência e tecnologia soluções
adaptadas aos novos tempos. Mas o fato é que, com tudo isso, as estatísticas
evidenciam que as pessoas estão vivendo por mais tempo.
Mesmo assim, ao contrário do
caradurismo e do exagero contidos na declaração do Temer, é improvável que a
longevidade nos leve, tão proximamente, até os 140 anos. Ou que isto possa ser
uma expectativa para as gerações dos nossos filhos e netos. De vez em quando,
ouve-se falar, na China ou na Mongólia, de um idoso com 108 ou 112 anos de
idade, mas vamos convir que estes sejam casos excepcionais.
Foi por isto mesmo que, num dia
desses, dei umas boas risadas numa agência do Banco do Brasil, enquanto
esperava, já um tanto impaciente, pelo tal de “atendimento personalizado” —
que, de personalizado, nada tem — com o único propósito de solicitar ao infeliz
que me atendesse, aquelas informações bancárias, para concluir a minha
declaração do imposto de renda.
Sentado numa daquelas cadeiras que
ficam diante de um monitor, onde torcemos para que apareça o número da nossa
senha, acabei entabulando uma conversa, dessas de fila de espera, com um senhor
bem idoso, que também aguardava para ser atendido. Ele disse que precisava
resolver alguma coisa na conta dele, porque tinha muita dificuldade em utilizar
os terminais eletrônicos e sempre dependia de ajuda.
E como ele me confidenciou o motivo
da sua espera, achei que era justo confiar a ele, também, o motivo da minha. E
lhe disse que só precisava do documento para a minha declaração, que o banco
não me remetera, até aquele momento. Foi quando ele me falou:
— Ah, mas com isso eu não me
preocupo! Tenho um contador que cuida disso para mim... Ele faz a minha
declaração, a do meu pai e a do meu irmão...
A informação me surpreendeu de tal maneira
que eu não contive o meu espanto. E associei a minha incredulidade a uma inevitável
pergunta:
— Mas que coisa boa! O senhor ainda
tem pai?!
O velho me olhou como se eu fosse um
completo imbecil e repeliu o meu entusiasmo:
— Meu prezado, eu tenho 90 anos!
Você acha que eu ainda posso ter pai?!
Eu achava que não. Mas não foi ele
mesmo quem disse que o contador fazia a declaração dos três? E, aí, ele
corrigiu a informação:
— Foi só uma maneira de dizer! Ele
faz a minha declaração para o imposto, assim como fazia a do meu pai e a do meu
irmão; que, aliás, já morreu também!
Diante dessa situação absolutamente ridícula,
só o que me ocorreu dizer, foi aquilo que, de fato, eu acabei dizendo ao velho:
— Então aceite meus pêsames...
Com a graça de Deus, nessa hora, a
minha senha apareceu no monitor e, pedindo licença, eu levantei e fui rir
noutro lugar.
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