Crônica da Semana - MOSTRE AÍ A LETRA D...
Não
sou uma dessas pessoas descrentes de tudo, incapazes de admitir aquilo que não
podem ver ou tocar, como um São Tomé, que não acreditava nem mesmo na
ressurreição do Cristo de quem fora discípulo, porque, segundo dizia, precisava
“ver para crer”. Mas admito que olho com bastante ceticismo para certos
fenômenos, milagres, revelações e curas realizados por embusteiros de muitas
religiões e igrejas.
Tenho uma particular má vontade com
aquilo que pregadores e missionários, pastores e padres prometem e garantem
realizar pela tevê, com data e hora marcadas. Acredite quem quiser e se
dispuser a entregar suas economias a esses estelionatários, que se utilizam da
doutrina religiosa como ferramenta, para extorquir os ingênuos e os
desesperados.
Mas nem só desses golpistas,
organizados e estruturados sob a capa de igrejas e cultos, sobrevive o bestunto
dos excessivamente crédulos. Gente assim tende a crer em “simpatias”, jogos com
a participação dos espíritos e na possibilidade das adivinhações e
prestidigitações. Mesmo quando, por respeito humano, prefere afirmar que só
acredita “nessas coisas” até certo ponto, repetindo o velho ditado castelhano:
“No creo en brujas, pero que las hay, las
hay!” (Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!).
E sendo assim, muitas pessoas se
dispõem a participar de jogos e predições, pretendendo resolver seus problemas
pessoais, financeiros ou afetivos, além de saber algo sobre aquilo que as aguarda
nos tempos que virão. Adolescentes, de forma geral, são muito susceptíveis a
essas coisas. E “as” adolescentes, de modo particular, participam dessas
brincadeiras com muita frequência. Um pouco por diversão e outro tanto pela
esperança verdadeira, mesmo que inconfessada, de que possam descobrir algo
sobre seu destino e seus amores.
Neste sentido, um dos jogos mais
comuns é a tal “brincadeira do copo”, que consiste em dispor as letras do
alfabeto em cima uma mesa bem lisa e colocar um copo emborcado no centro do
abecedário, sobre o qual cada participante coloca um dedo. Depois, “invocando”
a presença de algum espírito, começam a fazer perguntas e o copo vai se movendo
de letra em letra, para formar palavras e dar as respostas.
É o máximo da embromação, porque,
conforme já comprovado em sucessivos testes, há sempre alguém que, de forma
voluntária ou involuntária, é o responsável pelo deslocamento do copo, para a
formação das palavras e frases. Embora, invariavelmente, haja quem saia da
sessão convencido das orientações e informações prestadas pelo “espírito”
presente ao evento.
Sempre que penso nesse assunto e, em
específico, na “brincadeira do copo”, quem primeiro emerge das minhas
lembranças é a figura marcante de dona Maria da Conceição Souza Melo, uma cearense
de Santana do Acaraú, que viveu a maior parte de sua vida em Fortaleza, onde se
casou com Seu Pedro Melo e teve doze filhos.
Era tratada por estes como
“Mãezinha”, um hábito que se estendeu a toda a sua descendência e, por
desdobramento, aos amigos mais próximos, parentes e aderentes. Sendo avó do meu
amigo e irmão Pedro Luciano, tive a oportunidade de conhecê-la, assim como a
muitas de suas histórias, seus conselhos e tiradas, que evidenciavam nela uma
excepcional inteligência e presença de espírito.
Pois foi justamente ela a
protagonista de um fato divertido, numa ocasião em que as filhas e algumas
amigas resolveram fazer em casa a tal “brincadeira do copo”, em busca de
receber revelações do mundo espiritual. Coisa bem ao gosto das mocinhas daqueles
tempos. Só que, no curso da “sessão” a “Mãezinha” entrou na sala, perguntou o
que era aquilo e as meninas lhe explicaram, para, em seguida fazerem o convite:
— Senta aí, Mãezinha. Vem participar
também...
Ela era uma católica fervorosa. De
tal sorte que surpreendeu um pouco, sobretudo às filhas, quando aceitou o
convite e tomou um lugar à mesa. Logo o copo começou a se movimentar e a
Mãezinha perguntou, com aquele jeito cearense:
— Menina, me mostre aí onde está a
letra D...
Sem atinar muito bem com a razão da
pergunta, alguém quis saber o motivo para aquilo. E ela explicou, de forma
direta, desmoralizando por total a brincadeira:
— Porque eu quero escrever “deixem
de ser bestas”!
A risadaria foi geral. E, como todas
perceberam, o espírito que se fez presente naquele dia era a própria Mãezinha,
empurrando o copo com o dedo.
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