OS JORNALEIROS SÃO SEMPRE OS MESMOS


No tempo distante da pré-adolescência e adolescência, os quadrinhos prediletos dos garotos da minha e de outras gerações, que vieram antes ou depois, não eram os de nenhum dos heróis daquele tempo, como o “Capitão Marvel”, o Fantasma, ou o Zorro. Esses também tinham uma boa procura, mas só até que os hormônios da garotada começassem a manchar a nossa inocência e os nossos lençóis, pelo meio da noite.
            Os nossos quadrinhos preferidos eram os do Carlos Zéfiro, que escrevia e desenhava, com traços toscos, umas historinhas libertinas, que faziam a molecada entrar em êxtase e ajudavam-na a administrar aquela fase difícil da vida de um garoto, em que as necessidades do corpo caminham ao lado das impossibilidades impostas pelas circunstâncias.
         As revistinhas do Carlos Zéfiro, que obtínhamos em acordos secretos com os donos das bancas de jornal, tantas décadas depois, viraram um “cult” dos quadrinhos eróticos e são cuidadas pelos colecionadores com mimos especiais. Mas, revisitadas nos dias atuais — o que pode ser feito na própria internet — surpreendem a qualquer dos seus antigos leitores, pela sua quase ingenuidade, à vista do que se publica e se vende em termos de pornografia, nos dias de agora.
            Naquela época, no entanto, eram motivadoras de uma perseguição atroz, por pais, professores e padres, alguns dos quais — sempre desconfiei disto — depois de tomá-las dos seus filhos, alunos e confidentes, iam folheá-las no banheiro, às escondidas também.
         Por haver adolescido nessa época de repressão moral, sempre procurei manter com os meus filhos um diálogo aberto, acerca de todo e qualquer tema, porque entendia que fosse essa a melhor forma de dar a eles uma orientação mais adequada. De tal sorte, que quando eram pequenos, nunca fugi a nenhuma indagação que me fizessem, buscando responder de uma forma natural e sem transformar o que é simples numa coisa complicada.
            Talvez por isto, o meu filho, especialmente, adquiriu o hábito de se sentar ao meu lado, sempre que terminava o jantar, quando me fazia a mesma pergunta:
            — Sobre o que é que nós vamos conversar hoje?
            Invariavelmente, eu também lhe dava a aquela resposta:
            — Sobre qualquer assunto que você quiser conversar...
         A partir daí conversávamos sobre um monte de coisas: das histórias de família aos assuntos da escola em que ele estudava, passando pelo sexo, sempre que a sua curiosidade apontasse nessa direção. Ele me fazia as perguntas que queria e eu respondia da forma que me parecesse mais apropriada para o momento. E foi assim por muito tempo, até que, já na pré-adolescência, um dia ele chegou e, meio que escolhendo as palavras, me disse:
         — Pai, o que você diria se soubesse que eu tinha comprado uma dessas revistas de sexo?
         Entendi, claramente, onde estava o móvel da preocupação e da pergunta. Com certeza, ele já havia feito isso e estava querendo antecipar a minha reação, para a hipótese de que eu viesse a descobrir. Então eu respondi:
         — Olhe meu filho, tenho certeza de que, embora eu lhe falando que sou contra, se você estiver com vontade de comprar, irá comprar de qualquer jeito. Mesmo assim, eu lhe diria três coisas: A primeira, é que você deve entender que essas revistas não são nenhum manual de orientação sexual. Até porque o que elas preferem mostrar não é o sexo comum, que as pessoas praticam normalmente. A segunda é que, se resolver comprar mesmo alguma dessas revistas, não pode deixar isso em qualquer lugar no seu quarto, por onde passam a sua mãe, sua irmã e outras pessoas. E a terceira, é que essas revistas são proibidas para menores. Tentando comprar uma delas, você pode passar uma vergonha na frente dos outros ou ter um problema com a presença de algum comissário de menores, que esteja por perto.        
          Ele me olhou de um jeito engraçado e respondeu, seguindo o meu raciocínio:
         — Primeiro, eu sei que o que essas revistas mostram não é o sexo comum. Segundo, eu tenho um lugar escondido embaixo da minha cama e sei que mamãe não pode ver. Terceiro, sei que menor não pode comprar dessas revistas, mas já combinei com o jornaleiro, que é primo de um colega meu, e ele me entrega escondido num envelope.
            Diante disso, só tive uma reação e falei, mais para mim até do que para ele:
            — Ah... Então, tá!
           O que mais eu poderia dizer? Ele se foi, com a consciência aplacada e, aí sim, eu comecei a rir sozinho. Da astúcia do moleque e, sobretudo, por compreender que as gerações mudam, os valores se alteram, a vida se transforma... Mas os jornaleiros parecem ser sempre os mesmos!







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