Crônica da Semana - PIOR FOI O MEU PRIMO...
São aquelas pessoas que,
rotineiramente, interrompem o narrador, para contar a sua própria experiência
ou a de algum conhecido seu. Como se a história alheia, as mazelas alheias, a
felicidade ou a tragédia alheias fossem tão importantes, como aquilo que elas
próprias vivem ou viveram, experimentam ou já experimentaram.
O meu irmão, certa vez, contou-me a
história de um conhecido dele, que era um comerciante de queijos e presuntos.
Era um comerciante relativamente próspero, mas tudo o que o homem sabia do
mundo girava em torno de queijos e presuntos. Então, não havia conversa
possível com a presença dele, de gripe do frango a corrida espacial, em que ele
não fizesse uma intervenção para falar do seu próprio negócio.
Se, num almoço de amigos estavam
falando, por exemplo, da crise econômica mundial e ele entrava no assunto,
seria certamente para dizer algo, do tipo:
— Vocês sabem qual foi o aumento no
preço do queijo e do presunto, só neste último mês?
E como
ninguém soubesse responder, daí por diante ele se apropriava da conversa,
passando a fazer uma longa e maçante explanação sobre os custos de produção e
distribuição dos dois produtos, que eram a sua razão de viver. Como se nada,
além disso, fosse importante para o mundo ou para a própria crise econômica que
o mundo enfrentava.
Pode parecer uma caricatura, mas não
é. Tem gente capaz de interromper qualquer conversa sobre o câncer, sobre a
AIDS ou sobre o Mal de Alzheimer, que acometeu algum conhecido de todos, para
contar como foi uma cólica renal que teve no último verão. Equivalente a isso
é, também, o caso daquelas mães egocêntricas, que, diante de uma mancada
monumental do filho — que poderá levá-lo para a cadeia por dez anos ou para um
casamento que o fará infeliz para sempre — choram e se lamuriam, dizendo:
— Como é que
ele foi fazer uma coisa dessas comigo?
Vamos com calma, minha
senhora! Porque as consequências diretas da imensa bobagem que o seu filho fez
serão arcadas por ele mesmo. E ainda que a senhora possa sofrer com isso
também, pense que, mais do que fazer com a mamãe, o mal que ele causou foi
contra si próprio. Deixe de querer ser o “umbigo do mundo” e perceba quem é que
está no foco do problema.
Conheço um grande número de casos em que essa tendência de algumas
pessoas, de se colocarem no centro de importância das coisas, fica evidenciada.
Conheço avós que se julgam mais importantes que os pais, pela chegada dos
netos. Conheço administradores que, em lugar de valorizar o brilhantismo de
seus subordinados, querem assumir os méritos pelo que estes realizaram. E tenho
notícia de comandantes que preferiram por em destaque a estratégia que
traçaram, para a segurança de um quartel, do que a bravura dos seus comandados
na frente de batalha.
Porém, o caso mais emblemático que
conheço, em relação a isto, é uma história que circula pela minha família,
envolvendo um conhecido de todos, que era bem este tipo de pessoa. E se deu,
certa vez, quando esse cidadão — que não era parente, mas era aderente —
participava de uma dessas reuniões que as famílias fazem de quando em vez e a
propósito de qualquer coisa.
Falava-se,
então, de um horroroso acidente de trem, ocorrido pouco tempo antes, no qual
muitos haviam morrido e outros tantos sido mutilados, além dos que ainda se
encontravam hospitalizados, em estado grave e sob o risco de morte. Foi quando
o citado aderente, querendo ter alguma importância no contexto do desastre,
atalhou os comentários dos outros, com uma frase que calou a todos:
— Pior foi o meu primo, que furou a
bochecha!
Realmente, num desastre
daquelas proporções, pior do que morrer ou ficar mutilado foi o primo dele, que
furou a bochecha. Como se vê, tratava-se de um beócio!
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