MELHOR DEIXAR O PASSADO EM PAZ


Por Wagner Fontenelle Pessôa

O tempo é algo inexorável! E se existe uma coisa que todos deveríamos compreender, para não nos tornarmos infelizes, é a nossa absoluta impossibilidade de contê-lo, assim como não se podem conter as águas de um rio. Embora, em ambos os casos, possamos retardar os efeitos de sua passagem, mas só até certo ponto. Sendo deste modo, o que de melhor podemos fazer é estabelecer um relacionamento amigável com cada etapa de nossa vida.
  Precisamos — isto sim — de uma contínua adaptação à marcha dos anos, para sermos coerentes com cada fase em que estivermos e com a idade que tenhamos. Fora disso não há salvação! Mas haverá, por certo, muita frustração, além de algumas situações risíveis, que os distraídos da passagem do tempo haverão de protagonizar.
Uma mulher, que foi linda na juventude, poderá chegar à maturidade ainda como uma bela e atraente senhora. Como, de fato, muitas chegam mesmo! Mas será outro tipo de beleza, que ela deve ressaltar com aquilo que for apropriado para a sua idade. Porque não há coisa mais lamentável do que uma pessoa madura que se veste e se comporta como se fosse uma adolescente. E essa tentativa, de parecer mais jovem a qualquer custo, quase sempre se transforma em algo caricato.
O mesmo se aplica aos homens, quando pretendem mostrar-se muito mais novos do que realmente são. Nada mais deplorável do que um coroa querendo agir como se fosse um garotão. É triste de se ver! O que ainda se pode desculpar em ambos (mais até nas mulheres, por compreensíveis motivos) é aquela mentirinha inofensiva de subtraírem alguns anos da própria idade, quando a declaram para alguém. Desde que não exagerem, para que a potoca não seja gritante.
Desse tipo, conheço pessoas que eram três ou quatro anos mais velhas ou que regulavam comigo, ao tempo da minha adolescência. E que agora, por alguma emboscada que o destino me aprontou, estão com quatro ou cinco anos a menos do que eu. Por delicadeza, quando o assunto vem à baila, eu finjo que não percebi a pequena mentira. Mas me acabo de rir depois.
Seguindo o mesmo raciocínio, outra coisa que não se deve tentar é rever os amores do passado. A não ser, obviamente, que a criatura haja se transformado em amiga (ou amigo) e o relacionamento com ela tenha alcançado uma nova dimensão. Mas se a ideia é resgatar as emoções de outros tempos, na grande maioria dos casos, isso não vai dar certo. É compreensível que nos lembremos dos momentos felizes que vivemos com esta ou aquela pessoa. E que isso nos venha “con cierta ternura y dolor”, como nos versos do Pablo Milanês em “La felicidad”. Mas nada além disso.
  Pretender reatar os liames de outrora, menos ainda! O risco é o de uma decepção quase certa! Porque a própria vida modifica as pessoas e impossibilita esse reencontro das emoções compartilhadas com alguém, em tempos idos. Todos mudam — física e emocionalmente — com o passar dos anos. Então, já não somos quem éramos e esse fato torna quase impossível o reencontro com o nosso próprio passado ao lado de alguém que, da mesma forma, já não é a mesma pessoa.
Isso tem levado muitos “românticos tardios” à decepção. Mas também tem produzido situações de incomparável constrangimento ou ridículo. Conheço vários exemplos da espécie e um dos que mais gosto é o que me foi contado por um colega de trabalho, que, aos 22 anos de idade, foi cursar engenharia eletrônica em Santa Rita do Sapucaí, nas Minas Gerais. Foram cinco anos morando na cidade e numa república de estudantes, período em que conheceu uma mulher recém-separada do marido, que teria, então, uns 46, segundo me contou o protagonista do feito.
O fato é que se envolveram e mantiveram, durante a maior parte de sua estada por lá, um romance tórrido, desses de abalar as estruturas da “tradicional família mineira”, se por acaso alguém soubesse o que se passava na alcova daquela dadivosa senhora santa-ritense. Coisa, assim, de fazer um mineirinho típico perder o interesse pelo mar e enjoar do pernil com tutu. Melhor do que pão de queijo, até!
Mas concluído o curso, o jovem engenheiro tomou o caminho de volta e, como o esperava uma noiva por aqui, por aqui se casou algum tempo depois. Guardou com carinho a lembrança daqueles tempos passados nas Minas Gerais e tocou a vida em frente. Até que, 25 anos depois, recebeu a mensagem de um colega de turma, que estava organizando uma reunião em Santa Rita do Sapucaí, para comemorarem o Jubileu de Prata da sua formatura. Ele confirmou a presença e compareceu ao evento.
Foi entrando na cidade e se lembrando daquela pessoa com quem tivera dias e momentos tão felizes, enquanto estudara por lá. Hospedou-se no hotel que lhe haviam reservado e logo tratou de folhear o catálogo telefônico, com a esperança de localizá-la. Encontrou o número, ligou e conversaram até a madrugada, com um entusiasmo de fazer gosto, deixando combinado de se encontrarem numa sorveteria, na tarde do dia imediato.
Lá estava ele, na hora apalavrada, quando ela entrou e se dirigiu até a mesa, com um sorriso meio sem graça, para aquele encontro, um quarto de século depois que se viram pela última vez! Só então ele se deu conta da bobagem que fizera. Pois nem era mais aquele menino com 22; nem ela, aquela mulher com 46 anos de idade, mas em plena forma, com quem vivera momentos de fogo e paixão. E, além do mais, se o tempo não fora generoso com ele, muito mais cruel havia sido com ela.
A prova disso é que, finalizando, ele acrescentou um comentário à narrativa:
— Para piorar, eu descobri que tivera um caso com um personagem da tevê. Porque ela estava igualzinha à vovó Mafalda!
Eu não estou dizendo que é melhor deixar o passado em paz?


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