Crônica da semana - RÁPIDO NO GATILHO
Wagner Fontenelle Pessôa
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Ele era um
tipo baixinho e gordote, o que lhe imprimia o perfil de um tamborete de
botequim. Talvez fosse essa a causa daquele ar de superioridade que costumava
exibir na relação com os colegas — exceto alguns, a quem concedia a honra de
tratar como iguais — e, sobretudo, com os alunos, que olhava de cima para baixo.
Observado com mais apuro, era perceptível que arrastava consigo algum recalque,
provavelmente pela insignificância de sua figura física, que ele deixava fluir
de forma reversa, por caminhos que só Freud seria capaz de explicar. Porque a
sua arrogância gratuita, ao lidar com as pessoas, não parecia ter outra razão
de ser.
No entanto, o que lhe faltava em
tamanho e boniteza, sobrava-lhe em inteligência e profundidade de
conhecimentos, na área que lecionava: Língua e Literatura. O que, para muitos
brasileiros, é um verdadeiro “bicho de sete cabeças”. Nisso, sim, ele era um
craque! Falava com grande fluência, escrevia com absoluta correção e conhecia a
gramática como poucos. Às vezes, parecia um tanto pernóstico na argumentação e
não perdia uma chance para desqualificar o interlocutor. Talvez, nem tanto para
humilhá-lo, mas para evidenciar a própria erudição.
Numa ocasião assisti quando outro
colega, professor de Matemática, tentou amesquinhar a disciplina que ele lecionava,
dizendo que os linguistas gostavam de valorizar muito certas coisas da
gramática. E exemplificou:
— A colocação de vírgula, por
exemplo... Para que tanta regra? Eu virgulo pelo ouvido. Pelas pausas que
preciso fazer, sei que ali cabe uma vírgula, ora bolas!
O professor Carvalho (era esse o seu
nome) tomou aquilo como uma afronta, acostumado que estava a sentir-se um
“iluminado” entre os demais, pela nobreza do idioma que lecionava. E devolveu a
injúria ao especialista nos cálculos:
— Você não põe a vírgula pelo
ouvido; põe pela burrice, porque existem regras para isto. E garanto que a
maior parte das suas vírgulas está posta em lugar errado. Escreva alguma coisa
aí, que eu vou já lhe mostrar como você só entende de números, mas não de
letras!
Com efeito, o que o outro dissera
não ia além de uma grossa bobagem. Mas também não fora uma ofensa pessoal, que
levasse o professor Carvalho àquele estado de indignação, como se lhe houvessem
xingado a mãe ou a própria mulher. Esta, aliás, uma freira que pedira a
dispensa dos votos para casar-se com ele, que, por sua vez, largara a batina
para casar-se com ela. Isso é o que se imagina, porque ninguém poderia afirmar,
com certeza, se os dois “largaram o hábito” ou se apenas levantaram, como
naquela velha anedota.
Pois, se o homenzinho lidava assim
com um colega — ignorante, por certo, mas nem tão ofensivo — imaginem a sua
impaciência com os alunos, por seus erros em provas e trabalhos ou por suas
perguntas despropositadas e disparates, durante as aulas! Não era, exatamente
por isso, o mais querido do corpo discente. E aluno, como sabem todos, é um
bichinho que não presta...
Era chegada a época dos exames
finais, com muita gente pendurada na disciplina do professor Carvalho. Alguns
até beirando uma reprovação, naquele momento do ano letivo em que o estresse
sobra prá todo mundo: professores, alunos e funcionários da Secretaria, quando
os registros se acumulam e se formam pilhas de papel para arquivar. Nessas
ocasiões, estudando para as provas “na pressão”, não é incomum que alguns
alunos consigam o telefone do infeliz docente e o incomodem sem pejo, para
esclarecer algumas dúvidas de última hora.
Foi o que aconteceu certa vez, ao
tempo em que não havia telefones móveis e identificadores de chamadas nos
aparelhos que tínhamos em casa. Um aluno ligou para a casa do professor
Carvalho e se identificando sob um nome que não era o seu, pediu desculpas por
importuná-lo. Em seguida, explicou que estava com uma dúvida acerca do
preenchimento do cabeçalho da prova e que não gostaria de cometer nenhum erro,
porque estava precisando de uma boa nota...
Algo
impaciente o professor interrompeu a conversa comprida do aluno e foi direto ao
ponto:
— Sim, está certo... Mas qual é a
sua dúvida, afinal?
Aí, o ordinário do outro lado da
linha perguntou-lhe, como se fora uma indagação realmente séria:
— Professor Carvalho, se na hora de preencher
o cabeçalho eu me esquecer desse V no seu nome, como é que fica?
Indignado pelo trote e pela falta de
respeito, ele não precisou de nenhum tempo para responder, batendo o telefone
no gancho, logo em seguida:
— Fica um banco, para a sua mãezinha
se sentar!
A história correu pelo colégio,
espalhada pelos próprios alunos, provocando frouxos de riso naqueles que não
morriam de simpatia pelo seu jeito esnobe! Mas não se pode negar que o
professor Carvalho foi bastante “rápido no gatilho”, na defesa da sua linhagem...
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