Crônica da semana: UMA TREMURA NAS PERNAS
É
espantoso o preconceito que ainda há na região Sudeste contra os nordestinos,
sobretudo em São Paulo, um estado que está cheio deles. E neste caso, a injustiça
é em dobro, porque, se há uma coisa que não se pode negar é a inestimável ajuda
que a mão de obra vinda do Nordeste tem dado na área da construção civil, que
enche aquela terra de arranha-céus. Não só nessa atividade, mas em todas as
demais. Mas, por ora, é disso que pretendo tratar.
Os caras dormem no barracão da
própria obra, acordam de madrugada e, quando o dia clareia, já estão
trabalhando. Não raras vezes, dependendo do que estejam construindo, trabalham
até o dia escurecer de novo. É quando, então, vão tomar um banho, preparar a
sua própria comida e dormir numa rede, para, no dia seguinte, começar tudo
outra vez.
Por causa disso, certamente, é que contam aquela
história de um Sheik, desses multibilionários, que veio ao Brasil e, hospedado
num hotel superluxuoso por alguns dias, observava da janela da sua suíte uma
dessas obras em andamento, nas proximidades. E se admirava, cada vez mais, com
a disposição e capacidade para o trabalho de alguns daqueles homens, coisa que
ele nunca vira igual.
Assim, aos poucos, foi-se formando
uma ideia na sua cabeça. Como estava prestes
a iniciar a construção de um novo palácio, num oásis de sua propriedade, pensou
que, se levasse uns dois daqueles homens para trabalharem na obra, talvez eles
pudessem puxar esse ritmo para os operários de lá, que, estava seguro disso,
não tinham tanta disposição quanto aqueles brasileiros de cabeça chata.
Passando
da ideia à decisão, chamou um dos seus assessores que falava razoavelmente o
Português e lhe disse que fosse até a obra e escolhesse dois daqueles para a
missão. Salário de 4.000 dólares por mês, além da alimentação, transporte e
alojamento por conta. O homem de sua confiança foi até a obra, no final de um
dia, reuniu os peões que estavam ainda preparando o seu modesto jantar e fez a
proposta.
Foi
um alvoroço! Não arranjou dois, mas dez ou quinze interessados na oferta de
trabalho. Tanto, que acabou tendo de improvisar uma espécie de seleção, na qual
altura e peso entraram como fatores de aprovação. Só aí já foram reprovados
dez, porque, para falar a verdade, foi um pouco demais, exigir peso e altura
dos “paraíbas”. Mas, no final, voltou ao hotel para prestar contas de sua
missão ao Sheik, deixando escolhidos os dois que iriam para o Oriente com a
caravana do riquíssimo árabe.
No
dia apalavrado, um carro a serviço do Sheik foi buscar os dois escolhidos no
canteiro de obras, onde ainda permaneceram morando, por concessão do
encarregado da obra, levando-os para o aeroporto. Após as formalidades de
praxe, embarcaram no jato particular do novo patrão e seguiram em direção ao
país no qual iriam trabalhar, ganhando em dólares. Mas , para
abreviar a história, já quase chegando ao seu destino, a aeronave fez um pouso
nas proximidades do oásis, em que seria erguido o palácio do contratante e o
assessor — aquele que falava o Português — lhes disse:
—
Vocês ficam logo aqui. Aguardem que, mais tarde um pouco, vai chegar outro
avião do Sheik, trazendo barracas, comida, ferramentas, muito material de
construção e o engenheiro com as plantas, para que os trabalhos comecem logo. Enquanto
isto, vocês procurem um lugar por aí, na sombra de alguma palmeira e esperem.
Desembarcaram
os nordestinos e, na sequência, foi fechada a porta do jato, que decolou outra
vez. E lá ficaram os dois, sozinhos naquele oásis, cercado de areia por todos
os lados. Porque, tirando o próprio oásis — as palmeiras e o lago cristalino,
cuja água brotava do subsolo — no entorno, só o que se via mesmo era areia, muita
areia, até onde o olhar alcançava.
Foi
quando um dos “paraíbas”, vendo aquele areal sem fim, pôs a mão na cabeça e
disse para o outro:
—
Severino... Quando chegar o cimento, nós “tamo” lascado!
De
fato, era areia demais! E só de imaginar ter que misturar aquilo tudo com o
cimento para fazer a massa, já dava uma dor nas costas e uma tremura nas pernas...
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