Crônica da semana : A POÉTICA DO MAGNÍFICO


      
      Não há professor que não tenha tido alguma vez — ou várias vezes, até — a experiência de conviver com a irreverência de alguns dos seus alunos. E aqui não me refiro a algo que, nos dias atuais, considero grave e preocupante, como tenho dito em outras oportunidades: a falta de respeito e consideração, devidos e desejáveis na convivência do dia a dia entre alunos e professores, tanto numa direção quanto noutra.

            Também não me reporto aos alunos “piadistas e tirados a engraçadinhos”, que nem sempre são muito criativos ou originais. E, por isto, mais atrapalham do que ajudam, para acabarem levando um “passa fora, moleque” de algum professor com menos espírito esportivo. Refiro-me ao “feeling”, àquele senso de oportunidade, que alguns têm, para fazerem a pergunta certa ou um comentário adequado, no momento apropriado de uma explicação ou explanação feita pelo professor. Porque isso torna a situação divertida, sem que se perca o rumo da aula.
            Pois pondo de parte o respeito e a consideração, desejáveis no relacionamento entre as partes, numa escola ou no meio acadêmico, há coisas primorosas que determinados alunos dizem, às vezes, no impulso e por pura inspiração, que valem as risadas da turma, à nossa custa. Há docentes que não gostam muito desse tipo de situação. Talvez porque acreditem — e acreditam equivocadamente — que só valem esses momentos de descontração quando é o professor que faz a turma rir, à custa de algum colega.
            Bobagem pura de quem não tem senso de humor! E que perde, por este motivo, uma maravilhosa oportunidade para tornar a sua aula descontraída e, em consequência, muito mais atraente. A experiência nos ensina que, naturalmente sem perder o domínio da classe, os alunos ficam muito mais atentos a uma aula divertida do que a uma aula que se assemelhe a uma sessão solene de qualquer coisa.
            Eu me lembro de inúmeros desses momentos que vivi, na minha alentada carreira pelos caminhos do magistério. E todos me divertem. Num deles, ao tempo em que ainda não havia chegado para nós a fotografia digital, eu explicava a uma turma de Direito Penal que quando o advogado juntava alguma prova fotográfica ao processo, deveria juntar, também, os negativos das fotos, para que, em caso de dúvida ou contestação, a perícia pudesse verificar se houvera alguma espécie de adulteração nas imagens.
            E para ilustrar, relatei que eu mesmo já fizera, em laboratório fotográfico de um amigo, por pura brincadeira, a montagem de uma foto minha, que resultara numa dupla imagem, como se eu estivesse conversando comigo mesmo. Foi aí que um aluno interrompeu a minha explicação para me perguntar:
            — E qual era o papo, professor?
            Foi uma risadaria merecida na sala, incluindo o meu próprio riso, que achei maravilhosa a verve do cretino! Mas, muito melhor do que isso foi o sarro que os alunos tiraram com o magnífico reitor da UFC, ao tempo em que eu frequentava a tradicional faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
            O sujeito — cujo nome eu não mencionarei, para evitar um eventual desconforto com algum dos meus parentes, contraparentes e amigos em Fortaleza — era um desses tipos sem maior expressão intelectual, embora tirado a poeta. E por ser um daqueles gestores meio inertes, que nunca resolvia os problemas que eram submetidos à sua decisão, também não era muito benquisto pelo corpo discente da universidade.

            Aproveitou-se, porém, do fato de estar ocupando o posto de principal dirigente da universidade e, selecionando uma série de poesias de sua lavra, tratou de mandar publicá-las pela Imprensa Universitária do Ceará. Saiu o livrinho, meio na encolha, e não se sabe como, aquilo acabou caindo nas mãos de alguns alunos, que trataram de divulgar a mediocridade literária para todos os cursos.
            Mas o sucesso, mesmo, ficou por conta de um dos seus poemas, cuja ideia fora visivelmente plagiada do conhecido “Meus oito anos”, do poeta fluminense Casimiro de Abreu (“Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais!...”).
            Pois o nosso reitor, abiscoitando a inspiração alheia, sapecou na sua poesia:
            “Oh! Que saudades que tenho dos meus tempos primaveris! Eu correndo atrás do bode e o bode, com mil ardis...”.
            Era isso o que, na poética do magnífico, mais encafifava os alunos da UFC, que indagavam, uns aos outros, com justificada curiosidade e uma expressão de riso:
            — Gente, o que será que o reitor estava querendo com esse bode?!
            Maledicência à parte, que ficou um tanto estranho, ficou mesmo!

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