ATENDIMENTO DIFERENCIADO
Em tempos idos, quando Fortaleza ainda não era a metrópole que é hoje, havia inúmeras pensões na região central da cidade, que hospedavam pessoas chegadas do interior com o propósito de fazer compras ou resolver negócios. Em geral, os que vinham de fora se abrigavam nessas hospedarias, preferivelmente mais próximas dos locais de chegada e saída dos ônibus intermunicipais, já que a capital cearense, naqueles tempos, nem mesmo possuía uma rodoviária. Assim, cada empresa providenciava o seu próprio ponto de parada e venda de passagens.
Naqueles tempos, no entanto, as chamadas “pensões” podiam ser divididas em dois tipos: as que se identificavam como “pensões familiares” e as outras, nem tão familiares assim. Na verdade, nada mais do que prostíbulos de categoria duvidosa, que, eufemisticamente, eram chamadas de “pensões de mulheres”.
De vez em quando isto dava causa a alguma confusão, quando um tabaréu chegado do interior saía em busca de um pouco de diversão na capital. E, mal orientado para os sinais que, em geral, diferenciam um ambiente do outro, acabava escorregando nos ditames da conduta recomendável e sofrendo um “bota-fora compulsório”, de alguma das hospedarias destinadas aos viajantes mais comportados, debaixo de vassouradas. Mas o contrário também poderia ocorrer.
Foi bem o que aconteceu com o velho coronel Vitorino, possuidor de algumas terras lá pelas bandas do Jaguaribe, que viajou até Fortaleza, cidade onde nunca estivera antes. Era um daqueles sujeitos do interior, criados “às antigas” e dentro dos mandamentos da Santa Madre Igreja, casado com a primeira e única mulher há quase 50 anos e pai de numerosa prole, que jamais sentira o impulso de prevaricar fora do ambiente doméstico.
Precisando viajar à capital pela primeira vez em sua vida, para cuidar de uma questão referente ao cadastro de sua propriedade, para lá se dirigiu, munido apenas dos documentos necessários à resolução do assunto e do dinheiro suficiente para as despesas que deveria fazer. A mais do que isto, levava tão somente as informações de um compadre que já estivera em Fortaleza, para que se hospedasse numa das muitas pensões que ficavam próximas ao ponto da empresa, pela qual iria e voltaria:
— Tem muitas pensões por perto da parada, compadre! Tome abrigo numa delas, que é para facilitar a sua chegada e saída.
Agradecido, o coronel Vitorino, que jamais estivera antes numa cidade tão grande, seguiu à risca a sugestão do amigo. A parada da empresa ficava bem no centro antigo de Fortaleza, embora não me lembre, agora, se na Rua Senador Pompeu ou se na Rio Branco. Mas era por ali, já quase chegando ao Passeio Público. E, quando o ônibus estacionou no ponto final — depois de uma viagem cansativa e demorada — o dia já havia escurecido e a noite se apresentara para tomar o seu lugar.
Pois o viajante foi desembarcando e tratando de pedir a informação, no primeiro bar que encontrou aberto. Só que, do jeito como perguntou, o comerciante não entendeu direito qual era o seu propósito e lhe indicou uma “pensão de mulheres”, que ficava a duas quadras dali.
O velho dirigiu-se para lá, seguindo as instruções que recebera e, ao encontrar aberta a porta do bordel, subiu a escadaria, que levava diretamente ao salão, no qual as meninas da noite ainda circulavam em trajes menores, entre a sala, os quartos e banheiros, nos últimos aprontamentos, para a jornada de prazeres que estava prestes a começar. Algumas, enroladas em toalhas que mal cobriam suas vergonhas; outras, metidas apenas em peças íntimas e transparentes.
Não prestaram muita atenção ao coronel que, com uma expressão de absoluto espanto, não parecia entender a razão daquilo, exceto se fosse pela liberalidade excessiva dos proprietários da pensão. Deu por entendido que as preciosas a desfilar em trajes menores seriam hóspedes, sem a devida compostura e decência no ambiente. E protestou, indignado, pela falta de respeito à autoridade do dono daquela casa, que imaginava ser uma hospedaria, no exato instante em que, vinda lá dos fundos, a cafetã do negócio ia entrando no salão:
— Mas que diabo é isso, meu Deus! O que faz esse monte de mulher andando pelada pelo meio dessa casa?! Aqui não tem homem, não?
Olhando lá para as bandas da cozinha, a cafetina apurou o grito, em busca do tipinho abaitolado que ajudava na cozinha e na limpeza do “rendez-vous”:
— Raimundinho, acode aqui, que tem um freguês precisando de um atendimento diferenciado!
Como é evidente, a rufiona não entendeu o espírito da coisa. E a confusão só não foi maior, porque o coronel Vitorino girou sobre os próprios calcanhares e, indignado, desceu pela escadaria, na mesma pisada que subira, antes que pudesse compreender o verdadeiro significado do “serviço especial” que lhe pretendiam oferecer no bordel.
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