Crônica da semana - UMA TREMENDA GAFE!
Nas várias mudanças que já fiz — de casa, de lugar e de vida — andei perdendo certas coisas que estimava. Livros, por exemplo: perdi alguns, dentre aqueles de que mais gostei. Uns, porque emprestei e nunca mais me devolveram; outros porque, simplesmente, ficaram num desses lugares por onde andei e não tornei a encontrá-los.
Ainda assim, de vez em quando, eu penso sobre algo que li e fico meio decepcionado, quando vou à procura daquele texto, mas descubro que ele não está mais comigo. Aí, o que me conforta é a lembrança do que dizia um tio meu:
— Quem pega sem permissão ou não devolve um livro que tomou emprestado, não pode ser tido, invariavelmente, como um sujeito desonesto. Muitas vezes é, apenas, um intelectual sem os recursos necessários para formar a sua própria biblioteca...
Eu me divertia com aquela forma pela qual ele enquadrava a questão e, por isto, desconfiava de que parte do seu acervo houvesse sido formado por “doadores involuntários”, digamos assim. Por outro lado, confesso que algumas vezes, isso também me serve de conforto, quando descubro, entre os meus, algum livro que não me pertence. E, pior ainda, que não sei mais a quem deveria devolvê-lo.
Todas essas coisas me ocorrem a propósito de um assunto muito específico, sobre o qual eu conversei, numa noite dessas, com um grupo de amigos: as gafes que todo mundo comete, de vez em quando, por mais cuidado que se tenha com esse negócio de “não falar de corda em casa de enforcado”. Eu já cometi algumas terríveis e aprendi, a duras penas, que cometida a inconveniência, o melhor é mudar de assunto e não tentar consertá-la. Porque a emenda, como se diz, costuma ser muito pior do que o soneto!
Aí, quando cheguei a minha casa, fui procurar um dos livros do Fernando Sabino, escritor por cujos textos eu me encantei desde muito jovem, quando li o primeiro e melhor dos seus romances, que foi “O Encontro Marcado”.
O texto que eu procurava encontra-se num livro do autor mineiro, chamado “Contos e Crônicas” — que, no conveniente entendimento do meu tio, algum intelectual pobre deve ter levado da minha estante — e traz o sugestivo título de “Ocasiões de ficar calado”.
Sugestivo porque trata, precisamente, deste assunto: as gafes que cometemos todos, em alguns momentos infelizes e descuidados da nossa convivência social. E nessa crônica, o Fernando Sabino nos conta algumas engraçadíssimas, dos outros e dele próprio, como aquela em que, conversando com uma interessante criatura, que conhecera numa festa, ele acabou dizendo:
— Como foi bom encontrar você! Eu já estava achando esta festa chatíssima. Vamos cair fora daqui?
Ao que a mulher lhe respondeu, com um sorriso educado:
— Não posso, sou a dona da casa.
Pois, como todos têm direito a certo quinhão de vexames pela vida afora, eu tenho usado o meu, sem muita prodigalidade, mas de forma embaraçosa para mim mesmo. E era sobre isto que eu conversava com aquele grupo de amigos, quando me lembrei destas coisas.
Ouvi muitas e contei várias daquelas que protagonizei, como uma recente, em que reenviei um arquivo a um grupo de pessoas que tenho em minha lista, sem prestar muita atenção aos destinatários, já que se tratava de uma anedota de salão. A historinha não era inédita, por assim dizer. Sendo por este motivo que, ao repassá-la, encaminhei a mensagem com uma observação inicial, em tom de brincadeira:
“Esta aqui é que nem uma moradora, que todos apreciam no meu prédio: já está um pouco rodada, mas ainda é muito boa!”
Dias depois, recebo uma resposta lacônica de um dos condôminos, cuja mulher preenchia a descrição e ainda daria um bom caldo, pela qual me fez saber a sua opinião sobre o meu gracejo:
— Gostei muito da piada. E você está mais espirituoso, a cada dia que passa.
Juro que o comentário, de verdade, não dizia respeito a ninguém! O cara vestiu a carapuça por conta própria. Eu não me lembrava daquele vizinho entre os destinatários do meu correio eletrônico. E nem que fosse casado com aquela figura, que muitos homens no condomínio olhavam com certa cupidez, por razões que prefiro não comentar...
Mas, com razão ou sem razão, devo reconhecer que foi uma tremenda gafe! E que não foi a primeira, nem será a última que cometi.
Wagner Fontenelle Pessôa
Advogado professor universitário e escritor
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