Crônica da semana- OH, MINAS GERAIS...

Wagner Fontenelle
Pessôa (*)

Morei em Minas durante uns seis anos, a maior parte dos quais na linda e bucólica cidade de Ouro Preto. Mas andei por outras paragens daquele singular estado da federação e guardo maiores vinculações com as “Geraes” (conforme a ortografia antiga do nosso idioma), porque foi lá que nasceram os meus dois filhos e por lá também deixei alguns bons amigos. A par disso, adoro a típica comida mineira — ainda mais, se preparada em fogão a lenha — e não discrimino o que é de sal ou é de doce. Qualquer uma delas é de causar um inesquecível prazer gustativo.
Mas o estado dos mineiros não se resume a isso, na minha apreciação. O melhor de Minas é o jeito peculiar de sua gente, aquilo que se conhece como “mineirices”. Mais do que o modo de falar, do que as gírias e regionalismos, as também chamadas “mineiridades” são marcadas pelo modo de entender a vida, de conviver com os outros e explicar as coisas. É a forma ímpar de responder a uma pergunta sem deixar transparecer a própria opinião sobre o assunto; de pedir sem revelar a verdadeira intenção oculta no pedido; de saber o que o outro quer, sem deixar claro o que está querendo.
Porém, ao contrário do que poderia parecer, não se trata de mera insinceridade ou desfaçatez. É, apenas, um estilo incomparável que decorre, em grande medida, do hábito mineiro de ouvir mais do que falar. E enquanto o outro fala, limita-se a pronunciar algumas expressões de aparente admiração, que nada dizem e nem revelam sobre o seu real sentimento em relação ao tema tratado: “Uai, que coisa esquisita!” ou, então, “Que trem danado, sô!”.
  Tais características, aplicadas à atividade política ou às relações interpessoais dos mineiros, é que produziram duas figuras que o folclore e o anedotário nacional consagraram: a do astuto político mineiro e a do mineirinho esperto, que levam vantagem sobre todos os demais interlocutores. Mas o fato é que, muitas vezes, isso não é apenas folclore ou simples anedota. Eles existem mesmo no mundo real!
Dentre os políticos mais destacados pela astúcia, pelas reações inusitadas e pelas saídas estratégicas, estão vários mineiros célebres, como José Maria de Alkmin, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, além de muitos outros. Sobre eles e os fatos que marcaram a sua verve para escapar de situações embaraçosas, o jornalista Sebastião Nery escreveu uma obra (“Folclore Político”) com vários volumes, que merecem ser lidos, pelas histórias engraçadíssimas que reúnem.
Creio ser dispensável citar exemplos das “mineirices” no linguajar típico deles, que se orgulham do seu próprio modo de falar e de pronunciar as palavras, no chamado “mineirês”, que se comprazem em divulgar. Afinal de contas, a internet está repleta de postagens a esse respeito. E se você tiver amigos mineiros, irá ouvi-las de vez em sempre, às vezes, com certo exagero no modo “capiau” de dizer as coisas. Não porque não conheçam a maneira correta; mas porque se divertem com isso.
  Apesar do que, não resisto em repetir o fato que me contou, há poucos dias, um filho da cidade de Santa Rita do Sapucaí, nas Minas Gerais, quando nos encontramos num hotel, em que ambos estávamos hospedados. Um fato que se deu, quando, por determinação do CONTRAN, as placas dos carros e motos passaram a ser alfanuméricas, com a inclusão de duas letras na identificação dos veículos, que, até então, era composta apenas por números.
O país estava sob a ditadura militar, mas os habitantes da cidade de Diamantina pretendiam homenagear o seu filho mais ilustre, o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que fora cassado e era considerado “persona non grata” pelo regime. Mineiramente, porém, a administração municipal dirigiu ao órgão competente um pedido pela preferência de que as placas dos veículos licenciados no município utilizassem as letras JK, mais ou menos nos seguintes termos:
“A população de Diamantina, requer a Vossas Senhorias que lhe seja concedida a primazia de utilizar as letras JK nas placas dos veículos licenciados neste município, sequiosa que se encontra por prestar uma justa e merecida homenagem ao incomparável estadista, que foi o presidente John Kennedy!”.
Só mesmo da cabeça de um político mineiro sairia uma ideia tão ardilosa dessas! Oh, Minas Gerais... Quem te conhece, não esquece jamais!
(*) O autor, Wagner Fontenelle Pessôa, é professor, advogado, cronista, comentarista e escritor diletante.


2 comentários

Unknown disse...

Excelente o artigo,bem escrito e revela parcela da alma mineira,das mineiridades e mineirices.

Wagner Fontenelle Pessôa disse...

Gratíssimo pela atenciosa observação, meu prezado! É sempre um grande incentivo ler comentários como o seu.