Crônica da semana - TEMPOS DIFÍCEIS


Wagner Fontenelle Pessôa                     

Na época da ditadura, embora agora eles neguem, a convivência da população civil com os fardados nem sempre era muito tranquila. De um lado porque, como é óbvio, não há convivência fácil entre o governo e a população civil, se os governantes podem tudo e os governados só podem aquilo que lhes for permitido. De outro, porque é próprio das ditaduras cercearem as liberdades individuais, reprimindo as manifestações de discordância da conjuntura e exorbitando na forma de conter a população. Pois foi isso o que também aconteceu no Brasil.

            Por maiores que sejam suas imperfeições, não há no mundo nenhum regime político menos imperfeito do que a boa e velha democracia. A História tem centenas de exemplos para tornar evidente este fato. Portanto, mesmo nos momentos críticos de uma sociedade, não há maior inconsequência ou falta de compreensão sobre o assunto do que solicitar ou propor uma intervenção militar, como se a solução de todos os males estivesse na tomada do poder pelos quartéis.

            No Brasil as experiências que tivemos, neste sentido, foram sempre com regimes totalitários de direita: a do Estado Novo (com Getúlio Vargas, de 1937 a 1945) e a de 1964 (que terminou no início de 1985, com a saída do general Figueiredo da presidência). Uma civil e outra militar. Mas nenhuma delas fez muito bem ao desenvolvimento político da sociedade brasileira, não importando quantas loas os getulistas e os defensores do ciclo militar possam tecer às suas obras ou realizações.

            Os comuno-socialistas também tentaram implantar uma “ditadura do proletariado” por aqui e até mais de uma vez. Só que terminaram abatidos em voo e não conseguiram alcançar o seu objetivo. Mas, pelo mundo afora, conhecemos inúmeros exemplos de ditaduras de esquerda que não foram melhores, em nada, do que as de direita: além de muitas outra, União Soviética, China, Cuba, Coréia e, para citar uma mais próxima, a Venezuela, que está se esboroando pelos efeitos do regime chavista. Porque, não importa que seja de esquerda ou de direita, nenhuma ditadura presta!

            Pondo de parte, porém, os excessos daquele tempo em que os militares mandavam (e desmandavam) neste país, restou a lembrança do quanto o humor político no Brasil se agigantou e se tornou mais criativo. Como, aliás, é comum acontecer durante os períodos de exceção constitucional. O anedotário foi riquíssimo durante os quase 21 anos da ditadura!

            Os humoristas brasileiros, assim como os humoristas, cartunistas, teatrólogos e outros autores demonstraram sua excepcional inteligência e habilidade para driblar a censura obtusa, entregue aos cuidados de pessoas completamente despreparadas para a análise da produção intelectual, que pretendiam controlar. Substituindo frases e versos de uma maneira genial, convenciam os censores a deixarem passar mensagens que, pela lógica do regime, não permitiriam fossem levadas até o público.

            Foi um embate maravilhoso, sobretudo porque muito daquilo que os censores não captavam ao analisarem a obra, o público captava imediatamente! E isso, sem contar com o fabuloso anedotário, que buscava ridicularizar o regime e seus próceres. Daria para escrever um livro só com as anedotas daquele tempo! Mas, dentre as minhas prediletas, há aquela que me contou um amigo paranaense, sobre o sujeito que, não gostando da cor original do seu carro resolveu muda-la. Levou o veículo a uma oficina, onde lhe foi dito que deveria, primeiramente, regularizar a modificação junto ao órgão de trânsito.


            Indo até o DETRAN para cumprir a burocracia necessária ao caso, perguntou-lhe o funcionário, que o atendia com uma cara de enfado, para qual cor gostaria de alterar a do seu carro. Respondeu que gostava muito de um “verde oliva”, para ouvir a objeção:

            — Verde oliva não pode, porque é a cor do Exército...

            Disse, então, que poderia ser um “azul marinho” e novamente teve o seu desejo contrariado:

            — Azul marinho também não é possível, porque é a cor da Aeronáutica...

            Pensou um pouco e tornou a escolher, desta vez, um “cinza chumbo”. Mas recebeu outra recusa:

            — Também não vai dar, cidadão. É a cor dos carros de serviço da Marinha...

            Perdendo a paciência, o paranaense da história disse ao burocrata do Departamento de Trânsito:

            — Como está tão difícil, quero pintar na cor de merda, está bem assim?!

            Não adiantou. Mais uma vez o funcionário lhe recusou a escolha:

            — Sem chance... Porque essa é a cor da Polícia Militar do Paraná!

            Tempos difíceis aqueles, em que, até para pintar um carro, era preciso pedir a permissão e submeter-se à autoridade de alguém...

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