Crônica da semana - SINAL FECHADO


Wagner Fontenelle Pessôa
Admito a minha discreta má vontade com aqueles ambulantes que se acumulam, cada vez mais, nos semáforos de todas as cidades. Ainda que eu possa compreender que o comércio de rua é impulsionado pelo grave problema social do desemprego e pela necessidade de sobrevivência daquelas pessoas.

Esta é a razão pela qual, mesmo não comprando nada deles, sempre que oferecem alguma coisa — no vasto e variado cardápio dos produtos que se vendem nessas paradas obrigatórias para os veículos — procuro recusar de maneira gentil, sem que pareça menosprezo pelo seu comércio simplório.

  Em tais ocasiões, agradeço e dispenso a oferta com um sorriso de simpatia. Geralmente, por gestos, já que não pretendo facilitar a vida dos punguistas e descuidistas que se aproveitam das janelas abertas e, lamentavelmente, também se fazem passar por vendedores nos cruzamentos com sinais. Porque nos dias de hoje, todo cuidado é pouco para não facilitarmos a vida da bandidagem.

À parte disso, confesso que também não me animo a consumir nada daquilo que oferecem esses ambulantes. De modo especial, as guloseimas e as bebidas, como sucos e comestíveis de fabricação caseira, além daquela água mineral de origem suspeitíssima.

Em geral, aproveitando-se do sinal fechado eles desfilam ao lado dos carros, exibindo o que têm para vender e passam de um veículo a outro, após a recusa anterior. Há poucos dias, porém, eu acabei rindo por conta de um desses vendedores, que se aproximou do meu carro oferecendo uns confeitos de péssimo aspecto e deplorável acabamento na embalagem, certamente, de sua própria fabricação.

Embora eu tenha mantido o vidro da janela suspenso, podíamos ouvir um ao outro e ele começou a sua abordagem por uma forma inusitada, exibindo seu produto para mim:
— Botafoguense, me ajuda aí!
Como nada entendo de futebol e nem sei como está o desempenho do time nos campeonatos em andamento, não entendi se aquilo pretendeu ser um elogio ou um deboche. Mas, sorrindo, apontei para a minha barriga e respondi:
— Posso não, que eu já estou muito gordo!
Mesmo assim, ele não se deu por achado e insistiu:
— Problema nenhum... Leve para as crianças em casa!
Ainda sorrindo, eu lhe mostrei meus os cabelos brancos e tornei a recusar:
— Olha aqui, amigo... Eu não tenho mais criança nenhuma em casa.
Pois quando pensei que desistiria de mim, ele fez a sua derradeira tentativa:
— Então leva para aquela sua vizinha, que não liga prá engordar!

Caímos os dois na risada e, como o sinal ficara verde outra vez, eu lhe fiz um aceno de despedida e fui embora. Sem entender direito como ele descobrira sobre aquela minha vizinha que não liga para engordar. Sim, porque se ela ligasse, não estaria no estado miserável em que a vejo, sempre mastigando alguma coisa, quando nos encontramos pelas áreas comuns do condomínio.

Depois de tudo, embora não sendo botafoguense, eu me dei conta de que não me custaria ter comprado algumas daquelas balinhas que ele estava vendendo. Nem que fosse para jogar na primeira lixeira que aparecesse pelo caminho ou — quem sabe? — para presentear à minha vizinha glutona. Apenas para ajuda-lo, pela simpatia, bom humor e criatividade daquele pilantra. Porque eu mesmo é que não iria comer aquela porcaria!
Mas é o que farei, na próxima vez em que passar por aquele sinal fechado.

 


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