Cronica da semana: SÓ PARA NÃO PERDER A PIADA

Foi-se o tempo em que a necessidade de informação, própria ou a dos filhos, obrigava a todos que provessem suas bibliotecas domésticas, por menores que fossem, com enciclopédias como a Barsa, a Britannica, a Delta-Larousse e dicionários respeitáveis como o Houaiss e o Aurélio, para lembrar apenas algumas das mais importantes fontes de consulta que tínhamos à nossa disposição. Porque era naqueles compêndios que se resolviam as dúvidas e que se encontravam, em maior ou menor parcela, o necessário para as pesquisas escolares e acadêmicas. 

Isso era levado tão a sério, que a Enciclopédia Barsa, por exemplo, fornecia aos seus felizes possuidores, um novo volume anual — o chamado “Livro do Ano” — que trazia a atualização de vários verbetes. Aqueles que, porventura, houvessem sido alterados para as edições posteriores. Muito antes da existência dos computadores pessoais, é o que poderíamos chamar de a “pré-história” do que agora conhecemos como “upgrade”, no campo da informática. 

Mas foi exatamente a informática que acabou pondo em desuso, para as gerações mais jovens, essas publicações impressas em papel. Ainda que muitas pessoas (sobretudo aquelas com mais tempo de estrada) continuem apegadas aos livros produzidos pela genial invenção de Gutenberg. A verdade, porém, é que a internet e seus infinitos recursos, como o Google, detonaram o hábito de pesquisar e sanar dúvidas nas fontes escritas, para a maioria das pessoas. 

Pela conhecida e irrevogável “lei do menor esforço” as mais novas e até mais velhas gerações foram se acostumando a sanar suas dúvidas de forma direta, pela simples digitação de uma palavra, termo ou expressão. Aí, como num passe de mágica, vem tudo mastigado e resumido na tela do computador, tablet ou smartphone, o que transforma, não poucas vezes, a pretendida pesquisa num plágio. Para desespero dos professores e emburrecimento geral de crianças, jovens e adultos. 

Não é possível desconhecer a utilidade dessas maravilhosas ferramentas de pesquisa. O problema é que, a reboque disto — a resposta pronta e a solução instantânea para todos os problemas — muita gente passou a ter preguiça de procurar, até mesmo no Google e noutros mecanismos de busca da internet, a solução para as suas dúvidas. Alunos e até graduados, acham que é mais fácil perguntar a alguém sobre qualquer coisa, do que irem ao “pai dos burros” (que é como apelidavam os dicionários), a uma enciclopédia ou qualquer fonte de informação, mesmo virtual. 

É compreensível que os alunos peçam explicações aos seus professores, porque isso é parte do trabalho deles. O que não é compreensível é que, vários anos após a conclusão do curso, eles continuem a ligar para o ex-professor, como se o infeliz fosse uma espécie de “informador popular”. Não por uma dificuldade eventual, mas a cada vez que não sabe como grafar uma palavra ou a concordância correta numa frase. Pior que isso, só quando o consulente é um colega seu, que o incomoda, não pela ignorância e sim pela preguiça de pesquisar sobre suas próprias dúvidas. 

Até certa época, esse tipo de gente me impacientava um pouco, quando me ocupava pedindo explicações sobre coisas que poderia esclarecer, rapidamente, indo ao próprio Google. Por vezes, nas horas mais impróprias! Mas depois, passei a me divertir com essas consultas, respondendo ao consulente de forma inesperada por ele. 

Certa vez, por exemplo, recebi uma consulta dessas, por telefonema interurbano, bem no meio de um jantar com alguns amigos. Era um colega advogado que, para confirmar a presença dele e a da mulher a um evento social, indagava se o correto seria escrever: “confirmamos nossa presença” ou “confirmamos nossas presenças”. E a cretinice da pergunta voltou na resposta: 

— Bem... O correto seria “confirmamos nossa presença”, até porque o “nossa”, neste caso, já é a indicação do plural. No entanto, caso você prefira, também poderá escrever “confirmamos nossas presenças”, desde que pretenda entrar e sair do evento várias vezes. 

Na outra ponta da ligação ele riu, agradeceu e desligou. Porque, mesmo sendo ruim de gramática e preguiçoso, ele não era burro e entendeu a piada. Noutra ocasião, um colega docente se encontrou comigo, enquanto eu entrava e ele saía de uma sala de professores. Era um desses tipos muito educados, meio tímido e cheio de mesuras. Em seus modos habituais, ele me cumprimentou, havendo eu respondido com efusão: 

— Olá, meu caro professor, que prazer em vê-lo! 

Ele estancou o passo e aproveitou para fazer uma consulta. Queria saber se o correto seria dizer “prazer em vê-lo” ou “prazer ao vê-lo”. E, desta vez, eu respondi no impulso, sem pesar o fato de que a sala estava cheia de colegas, ouvindo aquele cumprimento esticado: 

— Bem, professor... O mais apropriado é que o senhor diga “prazer em vê-lo”. Mas nada impede que também diga “prazer ao vê-lo”, desde que, sempre que se encontrar comigo, o senhor tiver um orgasmo. Aí, sim, seria prazer ao ver-me! 

Fui dizendo e me arrependendo, por conta dos demais colegas, cuja risadaria deixou o meu atencioso e tímido professor um tanto constrangido, o que não fora a minha intenção. Fosse eu um verdadeiro linguista, não haveria de esclarecer a questão daquela maneira. Mas essa é a minha natureza, que, em várias oportunidades, já me fez perder o amigo, só para não perder a piada... 



(*) O autor, Wagner Fontenelle Pessôa, é professor, advogado, cronista, comentarista e escritor diletante. Mas não é linguista, é bom que se esclareça! 

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