Crônica da semana - UM REMATADO IMBECIL
Tinha
razão a minha mãe, quando costumava dizer que não gostava de "gente que se
leva muito a sério". E eu também não gosto, porque, com efeito, a maioria
das pessoas com tal característica é formada, normalmente, por uns "chatos
de galocha", para usar uma expressão muito antiga e fora de moda, visto
que a galocha é um acessório que já não se vê mais ninguém usando.
Mas existem uns tipos bem piores do
que aqueles que se levam muito a sério: os que costumam supervalorizar certas coisas
sem qualquer importância, que façam ou já tenham feito durante a sua, na maior
parte dos casos, medíocre existência. E este foi o caso de um sujeito que
morava lá em Fortaleza, ao tempo em que havia uma navegação costeira regular no
Brasil, que transitava de Belém do Pará até o Rio Grande, passando por muitos
outros portos do Nordeste, do Sudeste e do Sul.
Não eram os grandes transatlânticos
que temos hoje e nem essas rotas tinham um propósito propriamente turístico.
Eram embarcações mistas, que transportavam carga e passageiros. Mas isso não impedia
que, de quando em vez, alguém tomasse um camarote em alguma daquelas
embarcações, para fazer um passeio ou conhecer novas terras, numa época em que
o transporte aéreo era acessível a poucos e as viagens por rodovia em percursos
tão longos, um misto de sacrifício e aventura, nem sempre muito divertida.
Os navios singravam o Atlântico na
linha costeira, indo, voltando e aportando em diversas cidades que ficavam em
sua rota, para embarcar e desembarcar passageiros, cargas ou, eventualmente,
para fugir de um clima adverso, que prejudicasse muito as condições da
navegação. Então, para quem estava apenas passeando, aquilo se transformava,
realmente, numa aventura inesquecível.
Pois um desses navios, que passavam
pelo nordeste em sua rota regular, chamava-se "Itanagé". Uma
embarcação a vapor, como bem indica o seu nome, porque — talvez, seja bom
explicar aqui — "Ita" era o nome que designava a classe de navios ou
qualquer um dos navios a vapor brasileiros, pertencentes à Companhia Nacional
de Navegação Costeira, que faziam aquele
percurso de cabotagem,
transportando cargas e passageiros de norte ao sul do Brasil, na primeira
metade do século 20.
Eles ficaram tão populares, que
acabaram ganhando uma homenagem musical, incorporada à cultura popular
brasileira, na forma que todos conhecem, do "Peguei um Ita no norte".
Pois foi justamente num desses navios — o "Itanagé" — que aquele
cearense fez a sua viagem inesquecível e da qual passou o resto da vida se
gabando.
Segundo o meu tio Wagner, que
adorava contar essa história, o sujeito era um figura inteiramente
desimportante. Socialmente inexpressivo, era funcionário de uma repartição
obscura, na qual jamais ocupou qualquer função de destaque. Mas, certa vez, foi
preciso enviar uns pacotes de documentos de alguma responsabilidade ao Rio de
Janeiro. E, ninguém sabe o porquê, foi ele designado para acompanhar a
transferência dessa documentação e fazer a sua entrega no destino.
O embarque dos pacotes foi feito no
"Itanagé" e o dito cujo tomou o seu lugar num dos camarotes do vapor.
Para ele — barnabé de poucos horizontes e desprovido de qualquer pergaminho —
aquela viagem de navio à então capital da República, foi o título mais glorioso
de sua vida e o ponto alto de sua inexpressiva carreira de funcionário público.
De tal sorte que, de volta a Fortaleza, resolveu mandar imprimir um cartão de
visita, que passou a distribuir a quem lhe cruzasse o caminho, com
prodigalidade e incontido entusiasmo, havendo ou não havendo motivo ou razão de
ser para isto.
Pois seu cartão, além do endereço,
trazia impresso logo abaixo do seu nome, o título do qual mais se orgulharia, a
partir daquela viagem: "ex-passageiro do Itanagé". O que, ao
contrário do seu propósito e entendimento, não lhe conferia qualquer “status”.
Servia, no máximo, para demonstrar que ele não passava de um rematado imbecil.
Sem nenhuma importância, aliás!
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