ACABOU DANDO NO QUE DEU

Wagner Fontenelle Pessôa                        
Existem determinados grupos sociais que são movidos por interesses bem definidos e se utilizam de signos linguísticos muito específicos, com significados e significantes que somente os que deles participam são capazes de entender. É o que acontece com determinadas “tribos”, como também se apresentam. Os surfistas, os funkeiros, o pessoal das artes marciais e os marombeiros são alguns exemplos de grupos cujos membros se comunicam e interagem por uma espécie de “código fechado”.

            O fato é que, em praticamente todos eles, o que se observa é uma simplificação extrema da linguagem falada. Muitas vezes reduzindo o seu vocabulário a monossílabos ou a uma simples emissão de sons, formados quase exclusivamente por vogais, que só dizem alguma coisa para os que são iniciados naquele linguajar. Para dois surfistas que se encontrassem numa praia, ao amanhecer do dia, uma conversa completa poderia, sem nenhum problema, começar e terminar assim, com um perguntando e o outro respondendo:
            — E aê?!
            — Ó aí, ó!
            Na verdade, um queria saber se as ondas estavam boas e o outro respondeu que estavam como ele podia ver. E foi disto que resultou esse enriquecedor diálogo. Alguns linguistas, no entanto, adotam o esdrúxulo entendimento de que não existe “falar certo” ou “falar errado”. Uma concepção incentivada pelo MEC, durante a gestão de um presidente analfabeto.

            Diriam eles — como já ouvi de um doutor no assunto — que o importante é que as pessoas consigam comunicar-se. E, a partir desse raciocínio movido por razões ideológicas, mandam às favas milênios de desenvolvimento de uma linguagem mais elaborada entre os humanos. Por eles, até poderíamos voltar a nos entender por gritos e grunhidos, como qualquer outro primata.

            Mas, esses grupos de comunicação monossilábica não são os únicos que gostam de adotar uma terminologia própria e nem sempre compreensível para os que não são da área. Advogados, que até costumam falar muito, também apreciam uma linguagem não muito acessível a todos, recheada de termos técnicos e de um “latinório” sem fim. Não raras vezes, evidenciado por expressões que repetem feito papagaios, sem uma noção muito precisa de qual seja a tradução literal daquilo que estão dizendo.

            Tive, no curso de Direito, um colega que era uma besta quadrada, mas se encantava, quando lia em algum lugar ou ouvia um professor enunciar um desses princípios em Latim: “Allegatio e non probatio quasi non allegatio” (Alegar e não provar é quase não alegar), “Mutatis mutandis” (Mudando o que tem de ser mudado) e outros, a estes semelhantes. E um dos nossos professores, com muita frequência, recorria à locução latina “in totum”, que pretende significar “por inteiro, por completo, de modo a não faltar nada” ou qualquer outra coisa nesse sentido.
            Pois o Luiz — era este o nome da rês — numa prova de Direito Constitucional, ao responder uma das questões, finalizou com algo que não se encontra em nenhum manual de termos jurídicos: “In TETUM...” E por aí prosseguiu.
            Mas o professor Rêgo Monteiro, ao entregar as provas, não deixou barato para a “toupeira acadêmica”:
            — Seu Luiz, antes que eu lance a sua nota, por favor, esclareça o que o senhor está querendo dizer com esse “in tetum” aqui, que eu não reconheço entre as expressões do Direito.
            O colega, que pretendera impressionar o professor, utilizando um dos termos de seu uso frequente, tendo sido apanhado de surpresa, tentou alinhavar uma resposta:
            — “In tetum”, professor, quer dizer assim... No teto, por cima de tudo!
            Foi-se o sentimento de solidariedade da turma e a risadaria comeu solta na sala de aula! Porque o bacharelando — muito bem intencionado, embora sem o devido conhecimento daquilo — lançara a locução no último parágrafo do quesito que tentava responder, mas não tinha a menor noção do seu significado ou função, no desenvolvimento do raciocínio.

            Teria sido melhor se o professor lhe perguntasse algo como “E aê?!”. Para que ele respondesse sem qualquer dificuldade: “Ó aí, ó!”... Mas o cara quis “gastar” o Latim e acabou dando no que deu. Ele nunca se recuperou do vexame, porque, até o final do curso, ficou sendo conhecido e chamado pelos colegas pelo debochado apelido de “Luiz in tetum”.
            Também pudera! Foi dar uma mancada dessas, logo no meio de uma turma de cearenses, que é uma gente danada prá gostar de apelidar um desinfeliz? Estava se arriscando demais!

Nenhum comentário