MILAGRE AO CONTRÁRIO
Wagner
Fontenelle Pessôa
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Há determinadas coisas na vida que
parecem ocorrer de forma diametralmente oposta àquilo que se espera delas. Um
período de férias, numa praia paradisíaca, em que chuvas torrenciais resolvam
cair, do primeiro ao último dia da nossa estada naquele pedacinho do céu, é um
bom exemplo disto. Ou uma festa de aniversário, em que convidados sem noção e
bem alcoolizados se engalfinham e trocam socos no meio do salão, porque um
olhou de mau jeito para a acompanhante do outro ou vice-versa.
Todas
as famílias fazem uso de alguns “bordões” — de termos ou expressões com um
significado próprio em seu código verbal particular — que, sempre ou quase
sempre, estão vinculados a acontecimentos vividos por algum de seus membros. A
minha, pelo menos, tem vários destes! E uma dessas expressões, que utilizamos de
forma comum e corriqueira, para indicar uma coisa que saiu ao avesso do
pretendido é justamente esta: "milagre ao contrário".
Isto
nasceu entre nós há várias gerações, por obra e graça da minha bisavó Michol (um nome bíblico, cuja pronúncia é "Micol"), que nos
deixou, assim como esta, outras tantas histórias divertidas. Era uma figura
realmente engraçada, com um invejável senso de humor e que encontrava, em tudo,
motivo para rir e fazer rir, inclusive de si própria, mesmo nas situações mais
adversas, como garantem os que conviveram com ela.
Pois,
como consta da tradição oral da família, certa vez
passou por Fortaleza, em hábil peregrinação nordestina promovida pelos padres de
então, a imagem de uma santa — que não sei qual delas seria — deixando, em seu
rastro, uma série de milagres, curas e outros benefícios do gênero, conforme
garantiam os mais crentes e fervorosos.
Posso
imaginar o "frisson" com a chegada da
tal imagem, porque vinha precedida da fama de seus feitos e porque sei bem a
natureza mística daquela gente do Nordeste.
Iria ser
exibida, parece que uma única vez, numa das praças da capital cearense e, para
lá, acorreram milhares de pessoas, aguardando a oportunidade de alcançar uma
graça, uma cura ou, simplesmente, como era o caso da minha bisavó, as bênçãos
da santa.
Fervor
demais, às vezes, também atrapalha. E a excitação da massa para ver a "milagrosa" redundou num tumulto tremendo, que acabou causando uma grande
correria, com gente se machucando e, desconfio, com muita blasfêmia também, dita
pelos que se frustraram em relação ao esperado momento de louvor.
A minha
bisavó também andou levando uns pisões, voltando para
casa com os pés machucados e manquejando. Foi por isso que, quando alguém lhe
perguntou se ela testemunhado algum milagre, dona Michol, sem perder o costumeiro
bom humor, resumiu o assunto, respondendo:
— Comigo,
pelo menos, o que aconteceu foi um "milagre ao contrário": saí de
casa boazinha e voltei aleijada, como vocês podem ver!
Assim e desde então, sempre que alguma
coisa sai errada e ao revés do planejado por algum de nós, não precisamos de
muitas palavras para contar sobre o insucesso, a quem nos pergunta. Apenas
dizemos, com uma ponta de deboche, que o que conseguimos foi um milagre ao
contrário! E todos entendem do que se trata.
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