NA CURVA DO RIO PARAÍBA...

  Wagner Fontenelle Pessôa                       
  No Aeroporto Bartolomeu Lisandro, da cidade em que resido, tive um encontro, por acaso, com um conhecido de muitos anos. Ele esperava por alguém que iria chegar, enquanto eu esperava pelo embarque, rumo ao Rio de Janeiro. Conversa vai, conversa vem, disse-me que estava, naquele lugar, reencontrando um monte de gente, que já não via há bastante tempo. Aí, eu fiz uma brincadeira, que ele conseguiu a proeza de transformar num assunto sério:

  — Deve ser porque está todo mundo viajando de avião e você, só viaja de ônibus.

  — Isto é verdade! Eu não me entusiasmo muito mesmo pelas viagens aéreas. Porque tenho uma lembrança ruim, com esse negócio de voar.

  Logo imaginei que se tratasse de algum grande susto, num desses voos cheios de turbulência ou a perda de alguém muito próximo, num acidente aéreo. Mas fiquei só na suposição, sem querer alongar o assunto, para não cometer a inconveniência de fazê-lo falar de reminiscências que, pelo visto, deveriam ser ruins. 

  Mas isso não adiantou e o dito cidadão sem senso de humor começou, espontaneamente, a me explicar do que se tratava. Aliás, um tema mais do que inadequado para se conversar com quem, dali a pouco, teria de entrar num avião. 

  — Tenho uma prima que foi noiva de um piloto da FAB. E certa vez, ele apareceu por aqui, com um daqueles caças da Força Aérea e ficou conosco por um dia ou dois. Primeiro, convidou a noiva para dar um passeio pelos céus e parece que foi bem tranquilo.
E, sem que eu perguntasse coisa alguma, continuou:

  — Depois, me chamou para dar uma volta também. Decolou e começou fazendo um vôo rasante sobre a pista. Em seguida fez uma série de manobras radicais, como tubos, loopings e parafusos. Senti muita náusea, mas não disse nada, porque eu já havia me prevenido com um desses saquinhos plásticos. Aí notando que eu estava um pouco pálido e suando frio, achou que era melhor aliviar a barra e disse: 

  — Vamos dar uma chegada até Atafona, para você ver como é bonito aqui de cima. E virou a proa na direção da praia, seguindo o curso do rio Paraíba. Mesmo assim, foi fazendo um vôo rasante sobre o rio, até que, quando nos aproximamos do mar, ele levantou, subitamente, o bico do avião e fez uma curva fechada à esquerda.

  Nessa hora, eu não agüentei mais o enjôo e, literalmente, “enchi o saco”! Voltamos a Campos e quando pousamos, lá numa ponta da pista, ele abriu a carlinga e me disse: 

  — Pode jogar a sua carga fora aí mesmo.

  Foi embora e, nove dias depois — apenas nove dias depois — ele morreu num acidente aéreo. Aliás, o avião desapareceu, com piloto e tudo, no meio de uma tempestade, pelo que soubemos. Jamais encontraram qualquer vestígio dele ou da aeronave.

  O meu conhecido terminou a narrativa e ficou me olhando, com aquele jeito de quem pergunta: “entendeu, agora, o motivo pelo qual eu não gosto de avião?” Mas, para ser sincero, eu não entendera muito bem. 

  Não ficou muito claro para mim se o trauma provinha da morte prematura, em acidente aéreo, desse quase primo ou se do excesso de adrenalina que fora obrigado a experimentar, por causa do jovem e imprudente piloto. E que, além do mais, estava gastando o combustível da Aeronáutica, para “frescar” com a família da noiva!

  Em qualquer dos casos, acho que é motivo bastante para se perder o entusiasmo pelas viagens aéreas. Aliás, eu quase perdi a vontade de voar naquele dia também. Isso lá é assunto para se conversar na sala de embarque de um aeroporto? É o mesmo que assistir um episódio daquela série “Desastres Aéreos” bem na véspera da viagem!

  Depois de tudo, fiquei pensando que a narrativa dele, talvez, pudesse servir como tema para um pequeno romance, sem grandes pretensões literárias. E que, inspirado no título de uma conhecida obra do escritor Paulo Coelho — "Na curva do Rio Piedra, eu sentei e chorei" — bem que poderia ser titulada como: "Na curva do Rio Paraíba, eu enjoei e vomitei".

  Provavelmente não seria nenhum grande sucesso de vendas. Mas, pelo menos, o seu autor, aquele desagradável narrador com quem me encontrei no aeroporto, não precisaria andar por aí, a assustar os viajantes que têm medo de avião!

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