DITADO MINEIRO

Wagner Fontenelle Pessôa                  
Há três coisas que podem fazer um sujeito se ferrar: nadar em rio cheio, meter-se com mulher casada e bancar o sabido na terra dos outros. Nos dois primeiros casos, o melhor é não entrar mesmo, porque rio cheio é um perigo e mulher casada tem gosto de “chumbo pelas costas”! No último, o mais conveniente é observar muito e falar pouco, até se aprender como são as coisas do lugar e o jeito próprio das pessoas, onde se é forasteiro.
            Em duas ocasiões diferentes, viajando com alguns conhecidos para lugares fora do Brasil, quando íamos a algum restaurante e eles começavam a trocar gracinhas com os garçons, eu ponderei que não fizessem aquilo, porque esses profissionais são acostumados a identificar grupos de turistas menos atentos às despesas e pedidos da mesa. E que isso poderia acabar em aborrecimento. Tratar com cortesia é uma coisa; incluir o garçom nas brincadeiras do grupo é algo bem diferente.
            Bingo! Na hora da conta — tanto num caso quanto noutro — a fatura veio acrescida pelo custo dos gracejos e manifestações de receptividade dos caras às brincadeiras dos clientes. E a noite terminou em mal estar, com a presença do gerente e cara feia dos pilantras, que insistiam em justificar o erro no somatório do que realmente consumíramos. Porque a intenção da exagerada simpatia é essa mesma. Mas a esperteza, certamente, só é empregada quando recebem grupos ruidosos de turistas estrangeiros.
            E assim como fazem isso com os brasileiros que viajam ao exterior, por aqui também devem fazer o mesmo com os gringos que resolvem conhecer o Brasil. Sobretudo em bares, restaurantes e outros locais apropriados para essas programações noturnas, nas quais a bebida não é muito controlada pelos consumidores. Não em todo lugar, naturalmente! Nem lá, nem cá. Mas sempre há quem se aproveite de um turista que pareça de primeira viagem.
            Pondo isso de lado, outra coisa que brasileiro gosta muito é de se divertir com um gringo que não fale o Português. Mas aí, é só para rir à custa dele, sem lhe causar nenhum prejuízo. Ensinam palavrões e as coisas mais “cabeludas” ao infeliz, para que ele as diga nas horas mais impróprias e nos ambientes mais inadequados. E quando os diz, todo mundo cai na risada! Inclusive o próprio, que acompanha as risadas, achando que estão rindo do que disse e não que estejam rindo dele.
            Suponho que isso é por conta do nosso natural espírito de molecagem, porque nunca soube de nenhum brasileiro sendo ensinado a dizer coisas impróprias nos Estados Unidos ou na Europa. E falando nesse tipo de coisa, eu me lembro de um colega de trabalho que tive — muito engraçado, por sinal — cuja cunhada foi fazer um curso de “não sei o quê” nos Estados Unidos, conheceu um mancebo por lá e acabou se casando com ele. Coisa, digamos assim, de certa urgência, porque ela nem retornou ao Brasil para os aprontamentos de costume e os pais é que foram até lá para a cerimônia.
            Passaram-se alguns anos sem que a moça voltasse por aqui, até que, certo dia, marcou uma viagem para cá, com o objetivo de rever a família e os amigos, aos quais também pretendia apresentar o marido, como era de se esperar. E ao chegar, foi logo avisando, para evitar que resolvessem curtir com a cara do “gringo”:
            — Prestem atenção... Ele não fala quase nada, mas entende bem o Português.
            Todos avisados, durante as conversas, almoços e jantares, quando se dirigiam ao novo membro da família, ele sempre respondia de forma quase monossilábica, com as poucas palavras que já aprendera: sim, não ou exatamente. E assim, a família ia acreditando naquela história de que ele não falava, mas compreendia bem o que os outros estavam falando.
            Só que, depois de alguns dias, esse meu colega — que não valia um Cibazol furado — percebeu que, para quem entendia tudo, o americano ainda não adicionara nenhuma palavra nova ao seu restrito vocabulário de três palavras e resolveu testar o quanto ele realmente compreendia do que estavam falando para ele ou perto dele. E num momento em que a conversa da ruidosa família fez uma pausa ele olhou para cunhado com uma expressão de simpatia e mandou:
            — Stevie, parece que você é meio “boiola”, né?
            Sem ter a mínima ideia do que o outro lhe perguntara, o “gringo” respondeu com a melhor das palavras que conhecia em Português e um sotaque bem acentuado:
            — Exatamennnnte...
            Foi a grande piada da tarde, na reunião da família. Porque, aí, todo mundo percebeu que o cara não entendia coisa nenhuma do idioma que estavam falando com ele. Aquilo fora só um recurso que a mulher imaginara, para poupar o marido da gozação dos irmãos e cunhados dela.
            Teria sido melhor se ela houvesse encarado a dura realidade de que, como naquele velho ditado mineiro, “boi na terra dos outros é vaca”! E isso vale para a língua que se fala ou para qualquer outra coisa...

           
             

Um comentário

Anônimo disse...

Tem outro ditado mineiro que diz:

Cachorro ladrão quando não acha isso.
Acha bordão.
Ou seja se não achar ou osso,vai acabar levando uma vossa (o bordão)
Se meteu em confusão agora aquenta.