MADAME MOEMA
Wagner Fontenelle Pessôa
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Há
quem diga que a esperança é um poderoso remédio que Deus nos dá, não apenas
contra a desesperança, mas, principalmente, contra um mal maior, que é o
desespero. Faz sentido. O que não faz sentido é que as pessoas passem a vida a
escorar suas decisões e escolhas no imponderável.
Ainda que acreditemos na existência
do sobrenatural e sejamos capazes de entender que há muito “mais mistérios
entre o Céu e a Terra do que pode supor a nossa vã filosofia”, não é razoável querermos
balizar o cotidiano pelos conselhos e recomendações dos astrólogos, numerólogos
e prestidigitadores de todos os gêneros, a ouvi-los e segui-los como se eles
fossem os oráculos dos deuses.
E por que não? Porque há uma grande,
uma enorme chance de estarmos nas mãos de simples mistificadores que — embora
garantam que nada cobram por isto — acabam fazendo de suas predições, conselhos
e “terapias espirituais” uma fonte de renda e seu meio de vida. Algo do tipo:
“eu não cobro nada pelo meu trabalho, mas se você puder ajudar na obra social
que eu mantenho...”.
Nessa categoria é possível encontrar
representantes de todos os gêneros: pais ou mães de santo, astromantes, falsos
médiuns, “cirurgiões espirituais”, praticantes da quiromancia, beatos, gurus de
religiões orientais, missionários midiáticos, cartomantes e outros que tais. Ou
seja, não há nenhum campo desses que esteja livre de ter alguém arrancando
dinheiro dos aflitos ou dos esperançosos, em nome de um dom que,
verdadeiramente, não possui.
Não há, nestas considerações, o
exercício de um ceticismo radical ou de um materialismo irracional, que
pretenda atribuir a mero acaso todos os fenômenos da natureza e todos os fatos
da vida. Não desconheço o valor de certas práticas que podem conectar ou
aproximar as pessoas com as energias superiores do universo. E nem ignoro o
fato de que há, mesmo, quem seja aquilo a que se chama de “sensitivo”.
Mas o fato é que a maioria desses autoproclamados
porta-vozes do plano espiritual e operadores de milagres com hora marcada —
para os quais sempre haverá uma “clientela” disposta a pagar por suas
predições, conselhos e orientações — não passa de uma chusma de estelionatários, aproveitadores das agonias alheias. Com
exceção, talvez, daquela categoria de astrólogos que publica suas previsões em
jornais, revistas ou pelo rádio. Porque neste caso, para a grande maioria dos consulentes,
aquilo não vai além de um passatempo.
Para quem não sabe, aquelas previsões
astrológicas que os jornais costumam divulgar, diariamente, sob um pseudônimo “diferentão”,
são elaboradas pelo próprio pessoal da redação, por quem estiver com mais tempo
disponível, a cada dia. Ou por alguém que seja diretamente incumbido dessa
tarefa, sem nenhuma consulta aos astros. E aí, basta escrever obviedades, para
quem quiser acreditar no que for escrito.
A
melhor evidência disso, entre muitas outras, foi a conversa que certa vez eu
tive com um colega de universidade, onde ambos lecionávamos. E falávamos
justamente sobre esse assunto e da facilidade com que as pessoas se deixam
enganar, quando ele cometeu a imprudência de me contar que, quando ainda
estudante, durante alguns anos, para complementar o seu magro orçamento,
prestava esse tipo de “serviço astrológico” para um dos jornais no Rio de
Janeiro. Era sua a tarefa de preparar o horóscopo para cada dia da semana.
Achei
aquilo muito engraçado e lhe perguntei se assinava a coluna com o próprio nome.
Mas ele me contou, singelamente, sem saber no que resultaria aquilo:
— De jeito algum! Eu usava o pseudônimo
de “Madame Moema”...
Não prestou! Eu me acabei de rir
imaginando aquela figura — moreno, alto, magro e uma voz roufenha — com um
turbante na cabeça, fazendo predições para os leitores do seu horóscopo
inventado. E como não me pediu segredo sobre o assunto, eu acabei
compartilhando a história com alguns outros professores do curso.
Dez ou quinze dias depois disso, estávamos
na sala dos professores, com uns terminando a jornada de trabalho e outros
prestes a começa-la, quando o nosso “astrólogo” apareceu na porta. E um cretino
gritou, acima do burburinho:
— Madame Moema! Diga aí, por favor,
se o nosso pagamento sai ou não sai até a sexta-feira!
A gargalhada foi grande e então foi
que me dei conta da proporção que a minha inconfidência tomara, depois de comentar
sobre o assunto num grupinho de, apenas, três ou quatro colegas. Todo mundo já
estava sabendo! E, dali em diante, o apelido pegou com força total, embora ninguém
o chamasse diretamente daquele jeito, para que a brincadeira não lhe parecesse uma
falta de respeitoso, é claro!
Por essa e outras tantas coisas é que
não creio em bruxas, embora sabendo que elas existem. Como essa “Madame Moema”,
por exemplo, que trabalhou ao meu lado por um par de anos e jamais acertou na
previsão do meu futuro...
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