CAMINHO PARA AS ÍNDIAS
Wagner Fontenelle Pessôa
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Essa
mania que os brasileiros têm de duvidar da inteligência dos nossos irmãos
lusitanos decorre ou pode decorrer de duas causas. A primeira, por evidente, é
aquele ressentimento comum, dos colonizados em relação aos colonizadores. Como
os argentinos, por exemplo, não disfarçam, em relação aos espanhóis. Outra, talvez
mais importante, é a nossa incompreensão da lógica direta, sem conotações ou metáforas,
que os portugueses costumam aplicar à sua comunicação verbal, Ao contrário do
que fazemos, com frequência e muita facilidade.
Sem o propósito de me estender sobre este
assunto, que não é a minha praia, apenas para tornar mais claro o que estou
dizendo, a denotação é o emprego de
uma palavra em seu sentido próprio, enquanto a conotação é o emprego da palavra em sentido figurado, que depende
do contexto. Pois os portugueses — e aí me refiro às pessoas comuns, ao povão
propriamente dito — empregam muito bem a denotação, na forma de exprimirem o
pensamento. Mas não se dão bem e evidenciam bastante dificuldade na compreensão
da linguagem conotativa.
Pode vir daí — sendo provável que venha mesmo
— essa ideia, corrente entre os brasileiros, de que os gajos são um tanto
quanto obtusos, para compreenderem aquilo que lhes dizemos em tom de
brincadeira. E isto nos deixa um vasto anedotário, como resultado desta
eventual dificuldade de comunicação com os nossos colonizadores, que reforça a
ideia de sua acreditada burrice. Somos injustos com eles, mas não nego que a implicância
é muito divertida para nós. Exceto, para os radicais do “politicamente
correto”.
Até conhecer Portugal, um país muito bonito e
hospitaleiro por sinal, eu não compreendia muito bem como isto funcionava na
prática, assim como compreendo agora. Mas estando por lá, acabei percebendo
melhor o porquê de as coisas serem assim. Certa vez, em Lisboa, procurando por
determinada “loja de departamentos” e sem saber se deveria ou não tomar um taxi
para ir até lá, solicitei uma informação sobre ela a dois sujeitos que estavam na
frente de uma barbearia. Foi quando um deles, solícito, me explicou:
—
Tu segues por este passeio e não saias
dele nunca!
Entendi que, continuando a andar por aquela
calçada eu acabaria passando pela tal loja, mas arrisquei uma brincadeira:
— Mas, se seguir por este passeio, “sem
deixá-lo nunca”, eu não acabarei indo embora de Lisboa?
Sem entender que eu estava brincando com as
palavras, o cara me olhou como se eu fosse um idiota e, bem sério, me respondeu
com outra pergunta:
— O que queres dizer com isto?
Mais ou menos o mesmo tipo de coisa que
aconteceu com um conhecido meu, que indo a Portugal com a mulher e outro casal de
amigos, alugou um carro, comprou um mapa e resolveu circular entre algumas
cidades. Até que, em determinado trecho, tendo dúvida sobre uma bifurcação da
via, parou e perguntou a um natural do lugar:
— Dobrando
à esquerda nessa próxima entrada, chegarei a tal lugar? E disse lá o nome
do destino que procurava.
Mas o lusitano, com a sutileza de um equino, o
contestou:
— Logo se vê que não sabes ler mapas! Porque
se dobrares à esquerda, vais cair no Oceano Atlântico!
O meu conhecido, num improviso típico dos
brasileiros, respondeu de "bate pronto":
— Mas vocês, portugueses, também não sabem ler
mapas. Tanto é que saíram procurando o caminho para as Índias e acabaram
encontrando foi o Brasil!
Observando pelo retrovisor, até que o carro
dobrasse à direita, naturalmente, na bifurcação da estrada — segundo me contou
o protagonista deste episódio — o que ele viu foi o gajo olhando na direção do
veículo. Aparentemente, sem entender o que uma coisa tinha a ver com a outra e
por que os viajantes riram tanto da resposta do motorista.
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