DELEGADO VINGATIVO
Wagner Fontenelle Pessôa
Lá para as bandas do Jaguaribe, no interior do Ceará, há uma família muito conhecida e respeitada, que, nos tempos do falecido "Coronel Zé Diógenes", comandava economicamente toda a região, que ia da fronteira com o Rio Grande do Norte até a localidade onde passa o Rio Figueiredo.
Mas além do poder econômico e político, os Diógenes também se notabilizaram por outra peculiaridade: era uma família danada de brava, dada a resolver suas desavenças com os desafetos de forma não muito pacífica. Há, inclusive, o registro de um famoso desarranjo nas relações desta com outra família, que marcou a região com o sangue dos que, tanto de um lado quanto do outro, foram silenciados pelo argumento das armas.
Deste modo, mesmo que não se possa atribuir a todos os membros do clã essa natureza violenta, é certo que, em várias e sucessivas gerações da família, houve muitos Diógenes que ajudaram a manter sua fama de gente rusguenta e dada a uma rixa. Não é de estranhar, portanto, que tenha havido em sua linhagem um outro "coronel", aí entre os anos 50 e 60, que era um homem danado de tinhoso, muito chegado a resolver suas pendências com a prestimosa colaboração de uns pistoleiros, que mantinha a seu serviço.
Pois dizem os contadores de histórias daquela região que, certa vez, esse mesmo "Coronel Diógenes" ia dirigindo a sua camionete, quando, ao chegar a uma porteira, encontrou um morador do lugar. Na oportunidade, o fazendeiro estava acompanhado de uns quatro jagunços, bem conhecidos por ali. E foi em razão disto que, enquanto fazia a gentileza de lhe abrir a passagem, o caboclo perguntou:
— Bom dia, coronel! Posso deixar a porteira aberta para quando o senhor voltar ou vai se demorar um pouco?
Sem entrar nos detalhes, o Diógenes da história respondeu, dando um tom de simplicidade ao que, provavelmente, iria fazer:
— Demoro, não. Vou só ali, prá "fechar um acordo" e volto já...
Aquele deveria ser um "acordo" fácil de arrematar, pelos acompanhantes que o coronel conduzia na caçamba da picape! De tal forma, que o autor da indagação não lhe perguntou mais nada e, por via das dúvidas, deixou a porteira aberta de uma vez, que era para não importunar o retorno do fazendeiro.
Deu-se que, algum tempo depois, por força de alguma decisão ou sentença que lhe fora desfavorável, esse mesmo "Coronel Diógenes" mandou matar foi o juiz da cidade. E, uma vez feito, tratou de desaparecer da região — ou, pelo menos, foi essa a versão que cuidou de fazer espalhar — porque, mandando atirar em quem não devia, ficou na mira da polícia e da justiça.
Assim, toda vez que a polícia mandava os seus agentes à fazenda para procurá-lo, tudo o que a sua mulher — que lá permanecera com os filhos — repetia aos emissários, era “que não sabia por onde ele se encontrava e que fazia mais de ano que viajara e nunca nem dera notícia de onde estava”.
A suspeita, no entanto, era a de que o coronel se acoitara em algum ponto da sua enorme propriedade, de onde continuava a comandar a administração da mesma. Porque, aparentemente, tudo estava funcionando por lá, do mesmo jeito de sempre. Um delegado obstinado lhe fez campana, esperando que o procurado aparecesse e com a decisão tomada de metê-lo na cadeia. Mas nada do homem se mostrar na luz do sol!
Só que, decorrido algum tempo, a mulher do coronel apareceu de bucho cheio e, na época certa dos nove meses, nasceu a criança. Passou-se mais um ano e a mulher do coronel estava trazendo à luz outro filho. Aí o delegado teve quase a certeza de que o coronel Diógenes andava escondido era lá pela fazenda mesmo. E mandou intimar a mulher dele, a quem “apertou”, pelo paradeiro do marido.
Indagada, ela respondeu o de sempre: que não sabia, que tinha bem dois anos que o marido havia sumido de casa e nunca mais voltara. Pois foi aí que o delegado a confrontou:
— Como assim, criatura? Como é que não sabe do paradeiro do seu marido, se todo ano a senhora bota um filho novo no mundo?
Sem se dar por apanhada, a mulher do coronel escorregou da pergunta:
— Oxente! E, por acaso, só existe um homem no mundo?
Sendo o "Coronel Diógenes" quem era, difícil acreditar que, mesmo com uma ausência tão prolongada, a sua mulher tivesse tido a coragem de lhe pregar um par de chifres na testa! Ou que houvesse encontrado algum homem que se atrevesse a tanto. Mas, sem ter como efetuar a prisão do procurado, o delegado se vingou do desapontamento, fazendo constar, nos autos da investigação, que o coronel era corno.
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