“MALA SEM ALÇA”

Wagner Fontenelle Pessôa 
   Foi no começo da década de 1960 que o escritor Guilherme Figueiredo, que vinha a ser irmão daquele que acabou presidente da República — o General João Baptista de Oliveira Figueiredo — publicou um livro engraçadíssimo, sob o título de “Tratado Geral dos Chatos”. Na verdade, uma sátira das melhores sobre determinadas pessoas com as quais temos todos que conviver durante a vida.
Nesse livro, o autor classifica os chatos em diversas categorias, muito embora, a meu critério e juízo, ele tenha deixado de considerar alguns dos que conheço ou conheci. É compreensível. Porque, quando elaborou o divertido texto, ainda não existia o “chato das redes sociais”. Portanto ele não conheceu e nem incluiu no seu divertido catálogo aqueles que torram a paciência alheia pela internet.
Mesmo assim, relacionou outros da espécie, que ainda estão por aí aporrinhando as pessoas de modo mais convencional, sem a necessidade dos computadores, tablets ou smartphones. Um deles é o “galanchateador”, que tem como marca registrada o desconhecimento da palavra sutileza. Numa festa, por exemplo, normalmente ele incomoda todas as mulheres e ainda sai dizendo que arrasou. 
Outro, que o Guilherme Figueiredo identifica como “chato-etílico”, tem um comportamento que se manifesta em estágios. Segundo o autor, “os chatos-etílicos têm trajetória decrescente: começam num estágio de melancolia dócil, reclamando da vida, passam por momentos de agressividade, quando qualquer coisa é motivo para briga, e terminam em derrocada total, vomitando na piscina da sua casa”.
Além desses, estão na lista do “Tratado Geral dos Chatos”: o “folgado” (que leva ao pé-da-letra as gentilezas costumeiras, como “sinta-se em casa” e “fique à vontade”), o “chatimbanco” (aquele fã das pegadinhas, que tira a cadeira quando alguém vai sentar ou pisa no pé de qualquer um que apareça de sapato novo) e o “existenchatista” (que “é chato porque existe”, tendo como principais características a eterna queixação da vida). 
Pois é a essa última categoria, exatamente, que eu pretendo me referir. Aos que são chatos apenas pelo fato de existirem. São os que, sem nenhum traço mais específico, parecem ter vindo ao mundo apenas para serem chatos (ou “malas sem alça”, como dizemos hoje) e torrarem a paciência alheia. 
São os populares “desmancha bolinho” (porque o grupo logo se desfaz, quando eles se aproximam) ou “gangorra” (porque, ao se sentarem num lado do banco, quem está na outra ponta se levanta e vai embora). Tenho convivido com muitos deles, no correr do tempo. Contra a minha vontade e apenas porque as circunstâncias me obrigam ou me obrigaram a isso. Mas há um, em especial, que sempre me vem à lembrança, quando penso sobre esse assunto.
Fomos colegas numa instituição de ensino, onde instalaram uma espécie de serviço de som, que distribuía música ambiente para os corredores e dependências administrativas, além dos avisos e comunicados de interesse geral. Aí um determinado diretor teve a ideia sofisticar aquilo, criando um pequeno estúdio e produzindo uma programação diária e semanal de informações, entrevistas e música, com a participação dos funcionários e alunos. Por trás disso, havia o propósito de transformar aquilo numa espécie de rádio comunitária, o que acabou não dando certo.
Mas é aí que entra o chato da história, que se propôs a ter um horário semanal na “emissora”, no qual trataria de fatos relativos à disciplina que lecionava. E, por isto ou por aquilo, a ideia foi aprovada por quem coordenava aquela atividade, condenando todo o público interno a ouvir aquela “flor de chatice” durante uma hora, de sete em sete dias.
Tudo parecia ir bem para os seus planos de radialista amador, não fosse a ideia de péssima inspiração que teve, ainda na fase preparatória, de lançar uma pesquisa para coletar sugestões destinadas a dar um nome ao seu programa radiofônico. Junto ao relógio de ponto colocaram a “urna” para receber as propostas dos futuros ouvintes do chato, que, no dia previamente estabelecido, foi recolhida para ser aberta diante de uma comissão que faria a escolha do melhor nome, para o horário de sua locução.
Rompido o lacre da “urna”, só havia uma papeleta dentro dela. E, portanto, apenas uma sugestão para o nome do programa, que o presidente da comissão leu constrangido, na presença do futuro apresentador: 
  — “Mala direta”!
É claro, o programa seria em transmissão direta! E isso obrigaria todos a ouvirem aquela “mala sem alça” falando durante uma hora sem parar, já que não havia como mudar de estação. Obviamente, a sugestão foi descartada, mas provocou muitas risadas nos bastidores, porque não se pode negar que fora espirituosa, criativa e mais do que apropriada à situação, considerada a figura do apresentador.


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