Campistas nos testes da vacina CoronaVac


Em meio às recentes notícias sobre a eficácia da vacina CoronaVac contra a Covid-19 e o receio de muitos quanto a sua segurança, mais de 10 campistas, todos profissionais da saúde, apostaram nela antes mesmo de haver garantias. Eles foram voluntários da fase 3 de testes desenvolvidos pelo Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. Mesmo com medo, todos confiaram no trabalho dos cientistas brasileiros e, agora, após receberem a notícia de que os vacinados terão menos de 50,38% de chance de contrair a doença e, mesmo se adoecerem, nenhuma possibilidade de internação hospitalar, eles se sentem aliviados e confiantes.

A reportagem do jornal Terceira Via entrou em contato com três voluntários que contaram detalhes sobre o processo. Nenhum deles teve reação adversa após a vacinação e seguem sendo monitorados, embora ainda não saibam se tomaram, de fato, a vacina ou um placebo. Na ocasião em que a primeira dose foi aplicada nos voluntários campistas, em outubro, a Coluna do Balbi noticiou o fato em primeira mão.

 


Relatos dos voluntários

O Jornal Terceira Via ouviu a fisioterapeuta Tatiana Fraga, de 45 anos, o médico Frederico Cesário, de 46, e outra médica, de 58, que preferiu não se identificar, cujo marido e filho, de 63 e 30 anos, também participaram do ensaio. Esses moradores de Campos se submeteram à pesquisa no Instituto Vital Brasil, em Niterói, parceiro do Butantan. Eles receberam a primeira dose da vacina ou do placebo; 15 dias depois, a segunda; já na terceira quinzena, apenas o sangue foi colhido para monitoramento de sorologia IgG e IgM, de modo a verificar se a resposta à vacina vinha sendo eficaz.

Os voluntários ainda foram orientados a preencher diariamente três livros-resposta com o objetivo de identificar se sentiram algum sintoma, se houve alteração de temperatura, se ingeriram algum medicamento etc. nesses três primeiras quinzenas da pesquisa. Eles também têm contato diário com a equipe de profissionais do Butantan por WhatsApp. Somente Tatiana disse sentir dor de cabeça após a segunda dose, que passou ao tomar um comprido de 1g de dipirona. Os outros não tiveram qualquer reação.

Os resultados já começaram a ser divulgados, com base nos diagnósticos dos voluntários que se submeteram aos testes em julho. No caso dos campistas, como faz apenas oito semanas do início dos testes, eles ainda não sabem se tomaram a vacina ou o placebo, mas disseram que, caso não estejam imunizados, terão prioridade quando for iniciada a vacinação no Brasil.

O estudo leva um ano para ser concluído, período pelo qual os voluntários continuarão sendo monitorados.


O medo

Questionados se tiveram medo de participar da pesquisa, os dois médicos voluntários entrevistados nesta reportagem confessaram que sim. “Claro que tive medo. Tudo que é novo assusta, ainda mais se tratando de algo tão sério. É um chute no escuro. Mas eu coloquei na balança e achei que seria válido”, disse a médica que preferir preservar sua identidade.

O médico Frederico Cesário perdeu muitos amigos pela Covid-19. O medo da doença foi, portanto, maior que o medo dos efeitos colaterais da vacina. “Desde o início da pandemia, evito qualquer tipo de aglomeração, vou de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Tento proteger minha família ao máximo. Então quando soube do estudo, tive medo, é claro, mas confiei nos profissionais e, hoje, confio na vacina”, afirmou.

A fisioterapeuta Tatiana Fraga, por sua vez, disse que ficou orgulhosa de sua coragem. “Não tive medo. Sabia que estava enxergando à frente, pois essa é a única solução mundial. Nós, profissionais da saúde, arriscamos nossas vidas em prol de toda humanidade. Recebi muitas mensagens de incentivo e outras de covardia, mas sempre tive certeza que o caminho era esse. Não adianta ficar de braços cruzados esperando a pandemia passar. Me senti útil para o futuro das minhas filhas, marido e família. Sou uma leoa cuidando da sua alcateia! Esse é o verdadeiro significado de empatia”, declarou.

O estudo

O processo para a preparação de vacinas consiste em uma série de etapas antes de serem registradas e liberadas para a população. Os primeiros testes da chamada fase “pré-clínica” acontecem em modelos celulares e de animais para verificar se há algum efeito tóxico ou nocivo. Posteriormente, caso a resposta imune seja positiva, iniciam-se os testes em humanos, chamados “ensaios clínicos”, esses que se subdividem em três fases. A primeira objetiva atestar sua segurança. A segunda verifica qual a dose e o intervalo ideal entre as doses para obter o melhor resultado imunológico. Já a fase 3 tem o intuito de avaliar se a vacina realmente funciona (previne a doença).

Para a CoronaVac, os ensaios clínicos começaram em julho de 2020 com profissionais da saúde, grupo bastante exposto à doença. Ao todo, foram 13.060 voluntários: metade tomou a vacina e a outra metade recebeu uma dose de placebo (preparação neutra). Nem o voluntário, nem os profissionais responsáveis pela aplicação e acompanhamento sabem quem foi imunizado. Esse procedimento é chamado de “duplo cego”. A informação fica registrada no prontuário que só pode ser acessado 13 semanas após o início do estudo.

Os voluntários campistas tomaram conhecimento do teste em outubro, quando procuraram, por WhatsApp, o Instituto Butantan. Cerca de dez dias depois, eles receberam o retorno e foram submetidos a um questionário que visava saber se estavam aptos a participar da pesquisa. Só era permitada a participação de profissionais da saúde com registro em conselho, sem sintomas da Covid-19 e que atendessem pacientes diagnosticados com coronavírus. Pessoas com doenças crônicas não controladas, recentemente vacinadas com vírus atenuado ou inativo, participantes de outros ensaios clínicos e grávidas e lactantes não poderiam participar. Também não era permitido engravidar durante o tempo em que durasse o estudo. Todas essas exigências estavam dispostas no termo de consentimento assinado pelos voluntários.


A vacina

A pandemia da Covid-19 já matou mais de 205 mil pessoas somente no Brasil. Em Campos, esse número, que cresce exponencialmente a cada dia, ultrapassou a marca de 570 mortes. Diante desse quadro, somente a vacinação mostra-se o caminho para revertê-lo. A CoronaVac foi a primeira vacina a ser testada em humanos e é a aposta de muitos estados e municípios brasileiros que já comunicaram a compra do medicamento antes mesmo de ter seu uso emergencial e registro definitivo autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que deve acontecer neste domingo (17/01).


Os ensaios clínicos realizados com os voluntários garantiram uma eficácia de 50,38% da vacina. Isso significa que há menos de 50% de chance de uma pessoa ser infectada pelo coronavírus após a imunização. E, caso seja infectada, há 78% de chance de apresentar apenas sintomas leves, sem necessidade de assistência médica e nenhuma possibilidade de precisar de internação ou morrer. A taxa global de eficácia de vacinas recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Anvisa é de, ao menos, 50%. Os números apresentados pela CoronaVac, portanto, estão pouco acima desse limite. Já quanto à segurança, não há riscos à população. Contudo, ainda pairam dúvidas sobre a duração da resposta imune.

Ainda assim, há muitas pessoas com medo da vacina e questionando seu potencial de imunização. Sobre isso, a voluntária Tatiana Fraga comentou: “Acho que todos deveriam ter medo de ficar doente ou morrer, mas, jamais de tomar a vacina. Tomamos vacina desde o 3º dia de vida e nunca questionamos se deveríamos tomar ou dar as nossas crianças, mas agora enfrentando uma pandemia mundial que paralisou e matou no mundo inteiro estão questionando se devem ou não tomar a vacina? É um pensamento completamente incoerente com os fatos”.

A médica que preferiu não se identificar disse que se sente protegida: “O estudo é sério. A equipe de profissionais do Instituto Butantan é preparada, comprometida e atenciosa. Confio nesses profissionais e confio na vacina. Precisamos, enquanto sociedade, confiar para acabarmos com essa pandemia”, concluiu.

Fonte: Terceira Via.

 

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